terça-feira, 4 de dezembro de 2012

As tragédias de L´Aquila


REUTERS/Alessandro Bianchi

L´Aquila é uma cidade histórica no centro da Itália, capital da região Abruzzo. Ela está situada em uma região montanhosa, geologicamente instável. Por isso, a cidade sofreu ao longo de sua história com vários terremotos. O último deles ocorreu em 6 de abril de 2009. A 1a das tragédias do titulo, de cunho material, foi a destruição de parte expressiva de seu vasto patrimônio histórico, como atestado pela foto. A 2a das tragédias do título, de cunho humano e muito mais importante que a 1a tragédia, foi a morte de mais de 300 pessoas, com mais outras 1.600 pessoas acidentadas e dezenas de milhares de pessoas desabrigadas.

1 semana antes do terremoto, houve uma reunião com 6 sismólogos da Comissão Nacional para Prevenção e Previsão de Grandes Riscos (CNPPGR, doravante) italiana. Muito foi dito na reunião mas a mensagem preponderante foi a avaliação desses 6 técnicos que o risco de terremoto era baixo, apesar de vários pequenos sismos ocorridos antes. O professor Luigi Ippoliti nasceu, vive e trabalha na região de Abruzzo. Ele me informou que houve muito dificuldade na avaliação do risco real e que não havia consenso entre os sismólogos, pois alguns sustentam que terremotos são imprevisíveis. Além disso, houve intervenção de políticos no processo. Afinal, comunicar risco alto significava desalojar cerca de 100 mil pessoas, com inúmeras consequências econômicas. O resultado disso foi uma coleção de mensagens conflitantes.

Recentemente, no dia 22/10/2012, em uma decisão histórica, esses 6 sismólogos foram condenados a 6 anos de prisão. O crime cometido foi terem declarado que o risco de terremoto era baixo. No dia seguinte à sentença, a reação imediata da CNPPGR foi declarar em seu site a parada das suas atividades de prevenção e previsão. A decisão da justiça também causou grande comoção em parte da comunidade científica, que viu na decisão uma possível incriminação da ciência. Alguns chegaram a evocar semelhanças com Galileu e a perseguição que ele sofreu devido a suas convicções científicas. Teria então ocorrido uma 3a tragédia, de cunho científico?

Polêmicas à parte, o interesse para nós aqui é a importância que esse julgamento deu à questão da avaliação do risco e de formas apropriadas para sua comunicação. Várias questões diferentes mas interligadas que são relevantes para nós aparecem aqui:
1) É preferível não reportar riscos, como sugeriu o site da CNPPGR?
2) Se a resposta acima for não, como reportar riscos?
3) Como reportar riscos sem correr o risco (olha ele aqui novamente) de ser incriminado?
4) Quem tem a responsabilidade sobre a avaliação: os técnicos da CNPPGR ou a CNPPGR?
5) É possível uma avaliação correta de risco ser reportada erradamente?

Vamos supor aqui algo que não é óbvio; que é sempre possível avaliar e quantificar os riscos. A situação de L´Aquila teve seu risco avaliado como baixo pela CNPPGR. Ao reportar um risco baixo, a CNPPGR podia estar pensando em 10% de probabilidade enquanto que quem ouviu pode ter pensado em 1% Os perigos desse tipo de situação são óbvios. Isso poderia ser mitigado se o risco tivesse sido quantificado. Afinal, a quantificação do risco não dá margem à duvida, fornecendo parâmetros inequívocos: 10% de probabilidade significa a mesma coisa para todo mundo. Ou seja, o cálculo e a divulgação da probabilidade do risco são ingredientes fundamentais para se tomar uma decisão.

Isso não quer dizer que todos irão agir da mesma forma. 10% de risco de terremoto pode levar uma família a se deslocar para outro lugar mais seguro mas outra família pode achar esse valor baixo o suficiente para não tomar atitude a respeito. Na prática, essas medidas são tomadas a nível governamental por se tratar de problema de ordem pública. De qualquer forma, a avaliação do risco envolve não apenas o cálculo da probabilidade mas também uma avaliação adicional, da utilidade do que está em jogo. O valor da utilidade não é necessariamente monetário (em reais), mas de bem estar num sentido amplo.

Em resumo, a Estatística deve ser incorporada a todas equipes onde avaliação de risco é necessária. Além disso, ela colabora na quantificação das utilidades envolvidas. Entretanto, o responsável por essa última tarefa deve ser o tomador de decisão. Ele deve avaliar todas as utilidades envolvidas (custo de parada de atividade econômica x custo da perda de vidas). Consequentemente, talvez a CNPPGR (seu presidente?) é quem devesse ser responsabilizada e não os técnicos que lá trabalham. Não ficou claro no caso de L´Aquila quem era o responsável pelas decisões e todos os agentes interviram, talvez não da melhor forma. Assim, a última tragédia de L´Aquila foi a indefinição desse imprescindível protagonista, o tomador de decisão, nessa triste história.

Alguns outros links interessantes (em italiano):

http://it.wikipedia.org/wiki/Terremoto_dell'Aquila_del_2009

http://www.abruzzo24ore.tv/news/CNR-su-terremoto-previsioni-probabilistiche-e-non-deterministiche/104343.htm

Um comentário:

  1. Dani, texto excelente. Lembrou-me o caso da Challenger, em que uma enorme equipe acabou tomando a decisão errada de manter a data de lançamento da nave, apesar de a temperatura local não ser a mais adequada para tal, o que levou à explosão dos tanques de combustível porque anéis de vedação (o'rings) se contraíram mais do que o aceitável. Não estou certo, mas acho que neste caso quem pagou o pato foi o chefão, não os engenheiros. Abraços!!!

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