terça-feira, 29 de outubro de 2013

O efeito da poluição na saúde


A Estatística procura desenvolver métodos para aplicação em áreas de interesse para a sociedade como um todo. Uma das aplicações que mais vem sendo debatida nas últimas décadas é o estudo dos possíveis efeitos maléficos da poluição na saúde. Mais especificamente, tem sido muito estudada a possível relação entre algum desfecho indesejável por alguma doença e poluentes atmosféricos.

Os exemplos mais comuns de desfechos indesejáveis por alguma doença são o falecimento ou a  internação hospitalar devido a essa doença. No primeiro caso, diz-se estar tratando de mortalidade e no segundo caso diz-se estar tratando de morbidade. As doenças mais comumente consideradas são as doenças do aparelho respiratório, como asma e pneumonia, que são mais facilmente associadas a problemas com a qualidade do ar. Mas também existem estudos sobre o efeito da poluição atmosférica em outros tipos de doença. O exemplo mais comum é dado pelas doenças do sistema cardio-vascular, como infartos.

Existem vários aspectos associados a esses estudos de associação que precisam ser considerados para uma análise mais precisa. O primeiro deles é que é de fundamental importância se assegurar que todos os outros efeitos relevantes estejam também sendo levados em conta para evitar a presença de correlação espúria. Esse ponto já foi tratado aqui e visa evitar que seja estabelecida correlação inexistente entre 2 variáveis simplesmente porque uma variável relevante não foi considerada. No caso em questão, é fundamental levar em conta variáveis meteorológicas como temperatura e umidade. É sabido que diminuição da temperatura provoca aumento na mortalidade e na morbidade de doenças respiratórias. Mas os níveis de poluentes também são influenciados pelo clima. Se o clima não for levado em conta, uma análise estatística ingênua concluirá que o aumento na mortalidade foi todo devido ao aumento da poluição quando não é esse o caso.

Outro aspecto relevante é a determinação de quais são os poluentes que efetivamente impactam a mortalidade. Normalmente a poluição nas grandes cidades é causada pela presença de inúmeros poluentes. Os principais são ozônio, monóxido e dióxido de carbono, dióxido de enxofre, óxidos de azoto e material particulado em suspensão no ar. A determinação de quais deles interferem e como eles interferem não é tarefa fácil. Normalmente, esses poluentes são gerados em conjunto pelas fontes poluidoras (veículos automotores e fábricas). Isso faz com que os níveis desses poluentes sejam relacionados e quando um deles aumenta os outros costumam aumentar também.

Essa forte correlação entre eles é uma dor de cabeça para qualquer análise estatística e técnicas especiais precisam ser usadas para tratar desse fenômeno. Basicamente o que que se procura fazer é agregar essa diversas medições e algumas poucas, se possível apenas 1. As técnicas mais comuns são análise de componentes principais e modelos fatoriais. Mas esse ponto será tema de outra postagem. Outra técnica mais rudimentar mas muito comum é escolher um dos poluentes como representante dos outros e fazer as análises levando apenas esse poluente em consideração.

Passada a etapa anterior ainda resta outro problema não trivial. Uma vez feita a escolha do poluente  ou o representante deles que entrará na análise, resta saber de que forma o poluente entrará na análise. Por exemplo, qual o nível de poluente que deve ser usado para explicar a mortalidade de hoje? Sabemos que tanto a mortalidade quanto a morbidade não estão associadas a efeitos instantâneos. Devemos usar o nível de poluição de hoje, de ontem, de toda a semana passada ou uma mistura destes?

Novamente, existem várias abordagens para esse ponto. As mais simples consideram efeitos concomitantes ou com uma única defasagem determinada por uma análise estatística preliminar. Outras procuram descrever formas como o efeito varia ao longo das defasagens. Por exemplo, uma das opções mais simples é supor que o efeito da poluição decai exponencialmente à medida que o tempo passa. Apesar da simplicidade, essa hipótese parece representar bem o que acontece.

Existem outros efeitos complicadores como a competição entre as diferentes causas de morte. Algumas vezes, os infartos podem roubar das doenças respiratórias, pessoas que estavam destinadas a falecer pelo efeito nocivo delas. Dentre as doenças respiratórias o mesmo fenômeno pode ocorrer com picos de situações muito adversas antecipando óbitos que, em condições normais, só iriam ocorrer alguns dias depois. O que acontece é que esses dias posteriores apresentam uma incidência que é enganadoramente baixa, pois as pessoas com desfechos que iriam aparecer nesses dias apareceram inadvertidamente em algum dia anterior. Esse fenômeno é conhecido com efeito colheita. Seu tratamento estatístico está longe de ser trivial.

Finalmente, gostaria de destacar outro ponto associado à questão espacial. Trata de entender como todo esse processo se dá ao longo da região de estudo. Será que existem bairros que são mais afetados? Como associar locais aos desfechos? Afinal, uma pessoa em geral circula por vários pontos da cidade, morando em um local, trabalhando em outro e transitando entre estes. Isso permite até que ela venha a ter um desfecho longe de sua casa e de seu trabalho.

Como deve ter dado para perceber, existe muito para ser levado em conta nessa área e, apesar de muito já ter sido feito, acho que ainda falta muito para termos claro de que forma se dão esses fenômenos tão importantes para estudos de saúde de populações.

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