terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Probabilidades de Paternidade



por Carlos Alberto de Bragança Pereira


www.paternitydnatest.org


Recentemente assisti a um filme muito bom intitulado “A Condenação”.  É a história de um casal de irmãos onde o rapaz é condenado por assassinato.  A única pessoa que acredita na inocência do rapaz é sua irmã.  A vontade de provar a inocência era tanta que a moça deixou tudo de lado, inclusive sua família, e foi à luta.  Cursou então uma faculdade de direito para poder defender o irmão.  Quando se formou estudos com DNA estavam sendo desenvolvidos para vários usos, inclusive para provar inocência de indivíduos que tinham sido considerados culpados por crimes que não cometeram.  Foi com o DNA do irmão e do sangue encontrado no local do crime que se pode provar a inocência do irmão que foi libertado de sua prisão perpétua.  O filme é muito bom e emocionante, pois mostra que apesar do preconceito da sociedade com indivíduos diferenciados, o amor ainda é o melhor remédio contra injustiças.

Na época da história do filme, início dos anos 90, fui procurado por companheiros de um laboratório da USP. Estes colegas me pediram para desenvolver uma tecnologia de cálculo de paternidade: a probabilidade de um indivíduo (o demandado) ser pai de uma determinada pessoa (o demandante).  Os dados eram provenientes de análise de material genético sob a técnica de Microsatélites pela Reação de Cadeia da Polimerase (PCR).  O laboratório nos fornecia pares de alelos, de um sistema multialélico, para cada um dos locos estudados, de 10 a 20 locos normalmente.  Tínhamos assim, em muitos casos, o material do demandado, do demandante e da mãe do demandante.  Entretanto, casos famosos ocorreram quando não era possível a coleta do demandado, por morte ou mesmo pela ausência deste. Quando isto ocorria fazia-se uso de material genético de familiares. Nestes casos evidentemente o trabalho estatístico se tornava mais interessante e desafiador.

A descoberta do papel do DNA foi de muita importância para a sociedade.  Por exemplo, usando a nossa tecnologia, no último desastre de avião em Congonhas, com a coleta do DNA dos cadáveres e dos familiares seria possível identificar estes cadáveres em tempo muito inferior ao que foi usado na época.  Com relação aos casos individuais, tive a oportunidade de participar de casos extremamente delicados, como o da paternidade de milionários e jogadores famosos.  O mais importante, no entanto, ocorreu em um sequestro onde os sequestradores enviaram um pedaço do corpo da vítima para provar que estava ainda viva.  Com o prazo dado, meu trabalho teve de ser feito com urgência, em poucas horas durante uma madrugada.  Como o pai da vítima estava ausente, tivemos de usar o material da mãe e dos irmãos que não eram filhos do mesmo pai.  Esse é o momento que nós, como estatísticos, nos sentimos mais úteis para a sociedade.

Exemplo: Para não ficar apenas no discurso, apresento na sequência um exemplo cujos dados são reais e evidentemente com os nomes trocados e com locos de diferentes casos e diferentes restrições para efeito de ilustração. Antônio, um jovem filho de Maria, decide seguir o conselho de sua mãe e entra na justiça para que John, um rico empresário, reconheça a paternidade de Antônio. O Juiz então decide que tanto o demandado, John, quanto os demandantes, Antônio e Maria, se submetam ao exame de DNA em amostras de seus respectivos sangues. A Tabela 1 mostra os genótipos em cada um dos três locos estudados:


Tabela 1: Genótípos de três locos observados:

Demandantes e Demandado.




Razão de verossimilhanças: A hipótese de nosso problema é a de que John é o pai biológico de Antônio que sabemos ser filho de Maria.  A hipótese alternativa é, logicamente, a que John não é o pai biológico de Antônio.  A razão de verossimilhanças é a razão entre a probabilidade de observarmos o genótipo de Antônio quando John não é o pai, dividido pela probabilidade do genótipo sob a condição de que John seja o pai.  Tomando-se as frequências alélicas do banco de dados como probabilidades dos alelos, as seguintes razões para cada loco são obtidas: i. Loco 1 seria ¼ no denominador e ½ f16 no numerador. Assim, R1 = 2f16; ii. Para o Loco 2, continuamos a ter ¼ no denominador, caso de John ser o pai, e (½)(g29+g33) no numerador. Então,  R2=2(g29+g33). Respectivamente, para o loco 3, teríamos agora ½ e (½)(h19+h20) no denominador e no numerador. Portanto, R3 = (h19+h20).

Probabilidade de paternidade: suponha que  p1p2 e psejam as probabilidades posteriores de John ser o pai depois de analisados os Locos 1, 2 e 3, com p0 sendo a probabilidade inicial de John ser o pai antes do uso do Loco 1. Analogamente, as razões de chances (ou odds) são O=(1-p0)/p0, O1=(1-p1)/p1, O2=(1-p2)/p2 e O3=(1-p3)/p3.  Usando-se apenas a fórmula de Bayes sequencialmente, obtém-se as probabilidades posteriores p1=(1+O0R1)-1p2=(1+O1R2)-1 e p3=(1+O2R3)-1.

Os nossos juízes nunca permitiram usarmos prioris informativas e assim sempre iniciamos com probabilidade p0= ½. Usaremos as frequências relativas  f16=0,05, g29 = 0,10, g33=0,04, h19=0,15 e h20=0,08 provenientes de um grande banco de dados coletados pelo laboratório com amostras de sangue analisadas. A consequência desses números é a sequência p0=0,50; p1=0,9756; p2=0,9931 e p3=0,9984 das probabilidades posterioresOu seja, mesmo começando com chances iguais para John ser ou não o pai, após analisar três Locos fica praticamente certo (com 99,84% de chances) que John seria o pai.

Este exemplo acima nos mostrou um caso padrão dos casos judiciais de nossa população.  Entretanto temos de nos lembrar de que existem mutações que não ocorrem tão raramente quanto se gostaria que fossem.  Nosso programa leva em consideração inclusive taxas de mutação diferentes entre os locos.  As probabilidades muitas vezes vão aumentando e se aproximando de 100% e de repente há um “falso” negativo que mesmo considerando-se uma taxa baixa de mutação a probabilidade de paternidade diminui pouco com o loco de mutação.

Outro fato importante é entender-se que nosso trabalho aqui é apenas produzir um número preciso, a probabilidade de paternidade.  A dura tarefa da decisão cabe sempre ao Juiz que trabalha no caso.  A forma como decidem depende muito de cada um deles.  Há juízes que consideram paternidade positiva com probabilidades acima de 80%.  Há outros que quase sempre não aceitam a demanda, pois pensam que qualquer chance, mesmo ínfima, da não paternidade não prova a “culpa”.  Nós estatísticos temos o poder de saber obter informação, contudo o poder da decisão não é nosso: somos mesmo os operários da “ciência”.


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