Nuno Crato é um brilhante estatístico português que se doutorou nos EUA, trabalhou lá por cerca de 1 década e depois voltou para Portugal. Lá ele foi presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) de 2004 a 2010. Nesse período, procurou divulgar a Matemática e a Estatística para a sociedade portuguesa. Nesse período, publicou uma coluna semanal no jornal O Expresso. Nuno ganhou vários prêmios em função dessa atividade de divulgação. Desde 2011, Nuno é o Ministro da Educação e Ciência de Portugal. Conheci Nuno em julho de 2001 em Lisboa e depois o revi algumas vezes em congressos no Brasil, sempre muito simpático. Contactei ele recentemente e ele, sempre solícito, prontamente me enviou a maioria das suas colunas. Pretendo publicar aqui algumas delas, como a de abaixo, para que o leitor desfrute não só do conhecimento de Nuno mas também de sua elegância literária. Às vesperas de Nuno completar seu 60o aniversário, segue a primeira escolhida...
Ruído ainda mais branco
por Nuno Crato
Se o leitor começar a dizer palavras ao acaso, rapidamente
reparará que se repete. O acaso é difícil de atingir. O mesmo acontece se
quiser inventar números aleatórios. Pode fazer a experiência. Construa, por
exemplo, uma sequência de números inteiros com dois dígitos. Teste-os depois
num dos vários instrumentos que pode encontrar online (procure no Google, por
exemplo, em "test for randomness"). Verá que é difícil passar a
prova.
Tudo isto seria apenas uma curiosidade se o acaso não fosse
necessário. Mas é. Obter números aleatórios tornou-se imprescindível para
organizar amostragens industriais, para realizar sondagens e, mais
recentemente, para proceder a trocas seguras de informação. Sempre que o leitor
faz uma compra pela Internet ou ordena uma transferência, o sistema gera
automaticamente números aleatórios para garantir que há uma chave criptográfica
nova que codifica a informação. É desta forma que se impedem os ciberpiratas de
recolherem os dados das transações e penetrarem na sua conta bancária.
Felizmente, inventaram-se processos matemáticos recursivos
para gerar números ao acaso. Na realidade, estes processos não geram números
verdadeiramente aleatórios, mas sim números pseudoaleatórios, como se diz, pois
são construídos de forma determinística. Isso acaba por não ser importante,
pois quando passam todos os testes estatísticos tornam-se indistinguíveis de
sequências verdadeiramente aleatórias.
As sequências de números verdadeiramente aleatórios, não
correlacionados e com média zero recebem o nome de "ruído branco". É
uma designação curiosa. Provém da engenharia eletrotécnica, pois o espectro
desse 'ruído' tem componentes de todas as frequências em igual distribuição,
tal como a luz branca tem todas as cores. Dito de outra forma: não se detetam
ciclos particulares de repetição de padrões.
Ao princípio, os números aleatórios eram gerados em avanço e
fornecidos em tabelas impressas, que os investigadores depois usavam. Tornou-se
célebre um calhamaço que a empresa norte-americana RAND publicou em 1955 com um
milhão de dígitos. Mais tarde, os números aleatórios começaram a ser gerados no
computador à medida que são necessários. Software como o Excel tem embebido um
processo de geração que, apesar de imperfeito, serve para muitas aplicações. Se
o leitor escrever =RND() numa célula, por exemplo, gera um número aleatório
uniformemente distribuído entre 0 e 1. Copie essa fórmula para as 50 ou 100
células abaixo. Faça um gráfico da coluna e poderá visualizar algo que se
aproxima de ruído branco. Se carregar sucessivamente na tecla F9, poderá
divertir-se a ver a sequência a mudar.
Recentemente, tem havido um grande interesse em inventar
processos físicos de geração de verdadeiros números aleatórios ("TRNG:
true random number generators"). A investigação tem-se dirigido para criar
ruído verdadeiramente branco, rápido de produzir e com circuitos muito
elementares, de forma que possam ser incorporados em telemóveis e outros
aparelhos.
No Parque Tecnológico de Belfast, um grupo de investigadores
conseguiu agora criar um sistema muito mais pequeno e fiável do que os
anteriores ("Electronics Letters" 46-14). A parte mais difícil foi
criar o circuito eletrónico simples e o processo de medir o ruído, ou seja, as
oscilações imprevisíveis do circuito, e de o transformar em números aleatórios.
Passa-se do calhamaço ao computador e deste a um circuito microscópico. É ruído
branco feito a partir de ruído branco. Nada podia ser mais branco.
Texto publicado na edição do Expresso de 30 de outubro de
2010
Boa Noite,
ResponderExcluirSempre tive a curiosidade de saber como funcionam na prática os testes estatísticos para verificar se uma sequência é ou não aleatória, segundo um dado modelo probabilístico. Talvez seja uma ideia simples demais, mas seria como propor uma rotina computacional que se suspeita ser capaz de gerar valores de acordo com uma distribuição normal e então fazer um teste de hipóteses (Como por exemplo o de Kolmogorov - Smirnov) para verificar a normalidade?
Gabriel, os testes fazem a verificação da adequação dos dados às características prescitas. No caso em questão aqui, o que se procura verificar é se os dados seguem a distribuição prescrita (como você comentou) e também se apresentam independência entre seus os valores gerados.
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