terça-feira, 25 de junho de 2013

O valor dos números e os protestos no país

modices.com.br


Não há como não falarmos aqui sobre o que está acontecendo no país neste momento. Centenas de milhares de pessoas tem saido às ruas, clamando por mudanças e expressando insatisfação com vários assuntos da vida nacional. Vários textos vem sendo escritos sobre o assunto. O texto abaixo foi publicado no versão online da Folha de São Paulo em 19/08/2013. Ele foi divulgado em uma lista de Estatística e achei interessante trazer pro StatPop pois ele está recheado de referências numéricas e estatísticas. O autor é um filósofo, que é também colunista da Folha.

O texto que seria originalmente publicado hoje também trata com o tema relacionado, de como lidar e valorar números, e ficou postergado para a semana que vem.

Vamos ao texto, após o qual, farei alguns rápidos comentários.
===================================================================
Entre a sabedoria e a loucura

por Hélio Schwartsman

Massas impõem respeito. Políticos que até ontem desdenhavam dos radicais e vândalos do Passe Livre agora juram que apoiam as manifestações desde criancinhas. Já há governantes falando em rever o preço do ônibus. O que está acontecendo? 

É difícil dizer com precisão. Estudiosos da psicologia de massas ainda não chegaram a um acordo nem sobre como elas atuam, menos ainda sobre como surgem e desaparecem. Há motivos tanto para júbilo como para apreensão. Multidões, afinal, podem ser extremamente sábias e pavorosamente estúpidas. 

Do lado positivo, a agregação de grandes números extirpa certos tipos de erro, já que os palpites mais absurdos se anulam e o que resta faz algum sentido. Se você quer saber o peso de um bezerro, pergunte para 787 pessoas, a maioria das quais não terá a menor ideia de qual número chutar, e tire a média. Em 1906, James Galton, um cientista fascinado por medidas, fez isso e ficou ainda mais fascinado quando descobriu que a diferença entre as estimativas e o peso real do bicho foi de uma libra. 

Não é só. A resposta mais popular entre espectadores de programas como "Quem Quer Ser um Milionário" está certa em 90% das vezes. No fundo, é o mesmo princípio utilizado por casas de apostas, que delegam ao mercado a tarefa de estimar as probabilidades e definir os prêmios. 

Podemos então sempre confiar na sabedoria das multidões? É claro que não. Se as massas eliminam certos erros, criam outros. Entre as principais patologias do pensamento de grupo destacam-se a radicalização, a supressão do dissenso e a animosidade. Movimentos terroristas, caça às bruxas e brigas de torcida são, afinal, fenômenos de massa. 

Multidões podem ainda ser manipuladas por demagogos e geram desastres históricos com seu comportamento de manada. Políticos, com seu aguçado senso de sobrevivência, aprenderam a cultivá-las e temê-las. 
===================================================================

Como disse antes, achei o texto interessante por tentar relacionar os movimentos de massa no país com avaliações numéricas e estatísticas. Entretanto, ele parece querer estabelecer um paralelo entre a avaliação de uma massa (as 787 pessoas do experimento de Galton) para o peso de um bezerro  (na realidade, um boi (fat ox)) com a avaliação da conjuntura política de um pais pela massa de insatisfeitos (constituida de centenas de milhares de pessoas) que tem enchido as ruas das principais cidades brasileiras.  

Mas o maior perigo não é a equalização de algumas centenas com milhares de centenas. [Esse é o tema da postagem da próxima semana.] Um ponto que deve ser considerado é o nível de compreensão do que se está avaliando. No exemplo de Galton, as pessoas eram visitantes de uma feira agropecuária. Era esperado que tivessem algum conhecimento do peso de bovinos e que não houvesse nenhum envolvimento pessoal que os levasse a super- ou sub-estimar esse peso. Assim, é razoável esperar que suas avaliações estivessem corretas ou perto disso. Não surpreende que média ou mediana, como queria Galton1 em seu artigo, acabassem ficando próximas do peso verdadeiro do animal.

O ponto mais delicado aqui é que o envolvimento emocional dos manifestantes dos últimos dias com a situação sendo avaliada é muito maior que o dos avaliadores de peso de animais. Como exemplo, uma das bandeiras do movimento diz respeito aos gastos com a Copa do Mundo e muitos sustentam que esses recursos seriam melhor empregados em saúde e educação. Por outro lado, uma outra multidão de brasileiros defende enfaticamente a realização da Copa. Será que representantes de ambos os grupos fizeram uma avaliação isenta e profissionalmente embasada da relação custo-benefício desse evento para o país?  

A questão de fundo é: o princípio de convergência da estimativa média de uma grande amostra (a vox populi de Galton) para o valor correto continuaria sendo válido mesmo nessas situações? Eu não saberia responder. O estreito envolvimento emocional com o objeto da avaliação é um fator de confundimento conhecido das Ciências. Ele pode sim gerar estimativas viciadas, no jargão da Estatística, ou seja, com uma tendência sistematicamente afastada do objeto de aferição algumas vezes para mais e outras para menos.

Eu sei que o autor deixa claro desde o início que multidões podem se equivocar. Ele mesmo relembra que a história da humanidade apresenta inúmeros exemplos. Mas como os únicos exemplos numéricos trazidos pelo texto são ligados a aspectos positivos da avaliação de massa, achei melhor explicitar, em termos mais estatísticos, possíveis aspectos negativos associados a avaliação desse tipo. 

Vamos esperar que os aspectos positivos dessa manifestação popular predominem e ajudem a empurrar a sociedade brasileira na direção certa.

1 - Galton, F. (1907). Vox Populi. Nature, vol. 75, no. 1949, pp. 450-451. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário