terça-feira, 2 de julho de 2013

O valor dos números e a mortalidade humana

Kazuhiro Nogi/AFP/Getty


Recentemente, em maio de 2013, um forte tornado destruiu a cidade de Moore, nos Estados Unidos. Inicialmente, o número de mortos foi dado como 91 mas algumas horas depois o número caiu para o valor mais preciso de 24. Essa dança dos números com assuntos tão importantes como a morte de seres humanos serve como ponto de reflexão sobre como mensuramos e avaliamos os números. Todos sabemos que 1 < 2 < 3 < .... etc. Mas será que é assim que ponderamos e comparamos os números (de mortes)?

Em abril de 2013, um prédio contendo várias confecções em seus andares desabou em Bangladesh, matando cerca de 1.100 pessoas. Houve comoção mundial a respeito das mortes e das péssimas condições de trabalhos das pessoas que lá morreram. Essa comoção nem de perto se compara com a comoção mundial causada pela destruição do World Trade Center em setembro de 2001, onde morreram cerca de 3.000 pessoas. Claro que 3.000 é quase 3 vezes maior que 1.100 mas a repercussão dessas mortes foi muito mais que 3 vezes maior. As circunstâncias foram distintas mas o resultado mais relevante, que é a perda de vidas humanas, foi nessa proporção. [Está implícito que estou comparando a reação das pessoas que não tinham amigos ou parentes nessas 2 tragédias, por motivos óbvios.]

Poderia se argumentar que a comoção pela perda de 3.000 vidas deve mesmo ser muito maior que a comoção pela perda de 1.100 vidas. Ok, mas o que dizer da reação do mundo às estimadas 300 mil mortes no tsunami da Ásia no Natal de 2004 ou no terremoto do Haiti em 2010. Esses números foram mil vezes maiores que a tragédia conhecida como 11 de setembro e não acredito que tenha havido comoção tão desproporcionalmente maior.

Estou trazendo situações recentes para que possamos nos relacionar com esses eventos, relembrar como nos sentimos e assim possamos refletir sobre como avaliamos os números. Acho que dá para perceber que não tratamos números de forma linear. Pode-se argumentar que os eventos citados acima foram diferentes mas acho que tem algo mais fundamental em jogo. Não sei explicitar o que é mas acho que existe um forte componente psicológico em ação aqui. O que me parece claro é que a nossa percepção das mortes não é imediatamente identificável com a sua quantificação.  

Um exemplo sobre como a percepção muda pode ser visto ao comparamos as taxas de homicídios de algumas regiões do mundo com as do nosso país. Essas taxas em geral são padronizadas e fornecidas em termos de número de mortes para cada 100.000 habitantes. Por conta dos vários problemas de guerra com os seus países vizinhos árabes, Israel é considerado um lugar perigoso para viajar e muitos deixam de visita-lo por conta de atentados, homens-bomba, etc. Pois bem, a taxa de Israel gira em torno de 2 mortes por ano para cada 100.000 habitantes. Outros países asiáticos em conflito como Afeganistão e Iraque tem taxas bem similares. Como comparação, pode ser citadas a taxa do Brasil  (em torno de 20). Fica claro que o Brasil é muito mais perigoso que qualquer um desses países. 

Pode-se argumentar que algumas regiões do nosso país são muito mais perigosas e puxam a nossa taxa para o alto. Isso é verdade mas em uma proporção muito menor do que muitos supõe. Quando se pensa em violência urbana no país, a primeira imagem que se tem é do Rio de Janeiro. Efetivamente a taxa fluminense é mais alta que a média do país, ficando em torno de 30. (A taxa da cidade do Rio de Janeiro é ainda menor, em torno de 23.) Essa taxa é obviamente muito alta mas fica em mesmos patamares de insuspeitas unidades da federação, como Paraná e Distrito Federal e é definitivamente maior que aprazíveis estados nordestinos, que todos gostamos de visitar, como Pernambuco (~45) e Alagoas (~60).

Dessa conversa toda, ficam algumas lições. A primeira, que vem sendo repetidamente veiculada aqui, é que devemos sempre procurar ter os dados à disposição para poder falar com mais propriedade de algum assunto. A segunda lição é que fica claro que a nossa percepção do fenômeno interfere na nossa compreensão do mesmo. É inegável aqui o papel importante que os meios de comunicação tem para moldar a nossa percepção da realidade. Cabe a nós buscar as fontes corretas de informação para tentar compreender melhor a realidade à nossa volta. E os números são elementos fundamentais nesse processo.

2 comentários:

  1. Dani, o correto não seria dizer "definitivamente MENOR (e não maior) que aprazíveis estados nordestinos, que todos gostamos de visitar, como Pernambuco (~45) e Alagoas (~60)"? Abraços!!!

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