À primeira
vista, nada parece mais fácil do que o acaso. O que parece difícil é a
organização e a ordem. Mas a realidade é bem diferente. As coisas actuam como
se tivessem uma vida própria, organizando-se e gerando padrões. Numa floresta,
cada tipo de árvore tende a aparecer em conglomerados, pois é aí que se
concentram mais sementes desse tipo. No mar, as ondas parece que se deslocam em
grupos, em fileiras consecutivas, pois as massas de água movem-se em conjunto.
No universo, as estrelas aparecem agrupadas em galáxias, as galáxias juntam-se
em grupos e os grupos de galáxias aparecem em super-conglomerados.
Esta tendência à organização faz-nos pensar que o puro acaso deve ser algo
completamente desorganizado, em que não se vislumbram padrões. Mas o puro acaso
é difícil de reproduzir. Peça-se a alguém para começar a dizer sílabas à toa,
como que inventando uma linguagem nova. Ao fim de poucas «palavras», qualquer
pessoa esgota a sua imaginação e começa a repetir as mesmas sílabas. É muito
difícil produzir sons ao acaso.
Numa experiência célebre, psicólogos têm pedido a pessoas que escrevam
sucessões de zeros e uns, tal como se atirassem uma moeda ao ar e escrevessem
«0» cada vez que aparecesse «caras» e «1» cada vez que aparecesse «coroas».
Depois, pede-se às mesma pessoas que
escrevam outra sucessão de zeros e uns, mas desta vez atirando realmente uma
moeda ao ar e registando os resultados. Se as sequências forem suficientemente
longas, digamos, com 20 ou mais algarismos, um estatístico consegue
habitualmente descobrir qual é a sucessão aleatória, resultante da sequência de
faces mostradas pela moeda, e qual é a sucessão inventada. Faça o leitor a
experiência: comece por escrever numa folha de papel uma sucessão de zeros e
uns. Se quer que a experiência seja realmente conclusiva, tenha paciência e
escreva uns 250 algarismos. Depois, faça outros tantos lançamentos de moedas e
escreva os 250 algarismos correspondentes.
Para testar se as sequências são realmente aleatórias, podem-se seguir
vários métodos. Pode-se, por exemplo, contar a frequência de zeros, que deve
ser aproximadamente metade. Ou seja, se fizermos a média dos algarismos,
deve-se obter 0,5, ou quantidade muito parecida. Quando se atira uma moeda ao
ar, tem-se verificado que é isso que acontece, isto é, as fracções de «caras» e
de «coroas» são muito equiparáveis. No século XVIII, o naturalista francês
Georges Louis Leclerc (1707–1788), conhecido dos matemáticos como Conde de
Buffon, resolveu fazer essa experiência. Ele, ou talvez algum dos seus criados,
lançou uma moeda ao ar 4040 vezes e obteve 2084 «caras» — uma proporção de
0,5069. Já no nosso século, o estatístico inglês Karl Pearson (1857–1936)
repetiu a experiência 24 mil vezes, obtendo 12012 «caras» — uma proporção de
0,5005. Durante a guerra, um matemático inglês prisioneiro dos nazis, ocupou o
tempo da mesma forma, contando 5067 «caras» em dez mil lançamentos — uma
proporção de 0,5067.
Estes dados sugerem que uma moeda pode ser um razoável instrumento
aleatório quando há um equilíbrio entre dois resultados possíveis. Se o leitor
quiser repetir estas experiências, terá de ter cuidado e apanhar a moeda ainda
no ar — quando se deixa a moeda rolar pelo chão antes de assentar numa das
faces, a diferença de desenho dos dois lados favorece habitualmente um deles.
Não é na frequência de zeros e uns que as pessoas habitualmente se enganam.
Mesmo assim, se o leitor contar as frequências relativas, pode ter algumas
surpresas. Pode verificar que a sua sucessão tem uma média que se afasta
bastante de 0,5, enquanto a sucessão gerada pelas moedas está muito perto desse
valor. Onde os seres humanos costumam deixar a sua marca é na sucessão de zeros
ou uns consecutivos, as chamadas corridas. As pessoas consideram mais verosímil
construir sucessões em que as corridas de números idênticos são muito curtas e
os números se alternam frequentemente. A nossa intuição diz-nos que a sequência
0100101101, por exemplo, é mais provável de obter pelo lançamento de moedas do
que a sequência 0000011111, para dar outro exemplo. Na realidade, ambas têm a
mesma probabilidade de ocorrência, mas padrões semelhantes ao primeiro são mais
frequentes do que o segundo. O que o ser humano tem dificuldade em avaliar intuitivamente
é o comprimento e o número de corridas de um mesmo algarismo.
Se o leitor teve a paciência de construir uma sucessão de 250 algarismos,
conte agora o número de corridas de três ou mais algarismos idênticos. É muito
provável que tenha construído poucas, pois a intuição diz-lhe que tais corridas
devem ser pouco prováveis. Na realidade, uma sucessão de 250 zeros e uns que
seja puramente aleatória, querendo com isso dizer que os zeros e uns aparecem
com igual probabilidade e independentemente dos valores ocorridos
anteriormente, deverá ter trinta e duas corridas de três ou mais algarismos
idênticos. Será que o leitor construiu assim a sua sequência? É pouco provável.
E que se passa quanto a corridas com quatro ou mais algarismos idênticos? A sua
sucessão tem alguma? É provável que não, mas deveria ter cerca de dezasseis. E
quantas corridas de cinco ou mais elementos idênticos? Tem alguma? É quase
certo que não, mas deveria ter cerca de oito dessas corridas. Tal como deveria
ter quatro de seis, e duas com pelo menos sete elementos.
Se o leitor se quiser agora dar ao trabalho de atirar 250 vezes uma moeda
ao ar, pode verificar que as corridas que acima se descreveram acontecem com a
frequência descrita, ou muito perto disso. Se não quiser ir tão longe e quiser
construir sucessões mais curtas, uma vez que os cálculos são complicados, pode
comparar a sua sequência inventada com a obtida pelo lançamento de uma moeda.
Agora, que já sabe que as pessoas tendem evitar corridas de um mesmo número,
pois identificam a alternância com a aleatoriedade e as corridas com um padrão
propositado, o leitor não é a pessoa ideal para tentar a experiência. Peça a um
amigo para escrever uma fila de zeros e uns aleatórios. Lance depois a moeda ao
ar outras tantas vezes e conte o número de corridas. Verá que a moeda se repete
mais do que o seu amigo.
Tudo isto parece apenas um jogo, mas a realidade é que a construção de
números aleatórios é muito importante em ciência. Em Estatística, por exemplo,
sabe-se que as amostras aleatórias têm propriedades muito desejáveis, que as
tornam boas candidatas a «representativas» de uma população. Na organização de
experiências, por exemplo, no teste de remédios que são administrados a um
conjunto de indivíduos e não a outros (que constituem a amostra de referência),
é importante saber escolher ao acaso os elementos que entram em cada grupo, de
forma a evitar enviesamentos devidos à subjectividade do investigador. Em
Ciências de Computação e em todas as áreas que fazem simulações em computador,
é importante utilizar números aleatórios, que ponham os algoritmos a simular a
variabilidade dos processos reais. Em todos estes casos, pretende-se obter
sucessões que tenham propriedades semelhantes às da sequência de lançamentos de
uma moeda e que evitem a subjectividade inerente ao julgamento humano.
Em tempos, os cientistas recorriam a tabelas de números aleatórios,
construídas para o efeito por processos muito laboriosos. Hoje em dia, os
números aleatórios são obtidos em computador, por processos algébricos que
produzem sequências de números que, para todos os efeitos, podem ser
considerados aleatórios. Na realidade, esses números são construídos por
processos determinísticos, e por isso se chamam «pseudo-aleatórios». Mas, tal
como no caos, as sequências obtidas reproduzem tão bem sequências puramente
aleatórias, que passam todos os testes possíveis. Como dizia o matemático Donald Knuth, um dos mais
reputados cientistas de computação da actualidade, «números aleatórios não
podem ser gerados por um método escolhido ao acaso, tem de se utilizar alguma
teoria». Por outras palavras: o acaso é demasiadamente importante para ser
entregue a si próprio.
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