terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Meteoritos, vacas voadoras e porcos-espinhos cadentes

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Há uma semana, fui contactado por uma jornalista que trabalhava em um programa de televisão. Ela queria que eu fornecesse para ela valores das probabilidades de alguns eventos durante a decurso de nossa conversa telefônica, ou seja, em poucos minutos. Os eventos cujas probabilidades ela estava interessada em obter eram:
  1. a queda de um meteorito no quintal de uma residência em São Paulo;
  2. a queda de uma vaca no telhado de uma residência em Minas Gerais; 
  3. a queda de um porco-espinho na cabeça de uma pessoa na cidade do Rio de Janeiro.
Os eventos acima aconteceram recentemente no Brasil e foram registrados nas fotos acima. Eles estão um pouco longe da idéia de eventos cujas probabilidades normalmente queremos quantificar. Tanto que foram classificados pela jornalista como bizarros.

A conversa foi interessante mas acho que a jornalista saiu um pouco decepcionada pois, obviamente, não forneci a ela os números mágicos que ela tanto queria. Mas o processo da curta conversa que tive com ela foi elucidativo. Acho que ela começou a conversa com altas expectativas. Talvez ela achasse que por eu ser professor de Estatística eu deveria saber o valor da probabilidade de qualquer evento que me fosse apresentado. Expliquei para ela que não é bem assim e que essa não é a função do estatístico.

Tentei ajuda-la dizendo que o que fazemos é auxiliar os outros a compreender e quantificar as incertezas associadas aos fenômenos que eles estudam. Assim, como exemplos, sugeri a ela que falasse com um astrônomo ou meteorologista para saber mais sobre meteoritos e suas quedas no Brasil; com agrônomos ou veterinários para saber sobre os caminhos tomados por animais de criação no campo; e com biólogos para saber mais sobre o modo de vida de animais silvestres no ambiente urbano. Isso a desanimou pois não seria fácil encontrar tais especialistas no curto espaço de tempo que ela dispunha (ela me ligou no final da tarde e o programa seria na manhã do dia seguinte).

Também sugeri a ela que tentasse fazer por sua própria conta um levantamento da frequencia de avisos ou notícias sobre ocorrências desse tipo, caso não fosse possível fazer esses contatos. Com isso, ela teria uma melhor idéia de como quantificar ao menos a ordem de grandeza das probabilidades desejadas. Isso ela gostou menos ainda pois tomaria um bom tempo fazer essa pesquisa de forma sistemática.

Como última alternativa dado a curta duração de nosso contato, sugeri que ela procurasse lembrar de noticias que ela tivesse visto sobre os assuntos e usasse essas lembranças como forma de ordenar quais dos eventos seriam mais prováveis, quais seriam menos prováveis, etc. Isso eu acho que ela também não gostou pois essa ordenação não forneceria os números que ela (ou a produção do programa) queria.

Expliquei a ela também os rudimentos da perspectiva subjetiva para a probabilidade e que nessa linha ela teria direito a especificar valores que ela bem entendesse refletir sua crença nos eventos. Mas disse a ela que usar os dados disponíveis para ajudar nessa especificação era uma boa estratégia para tornar os valores das probabilidades mais críveis. Nesse ponto, acho que ela teve vontade de desligar o telefone. :)

Acho que ela terminou a conversa um pouco desiludida comigo e com os estatísticos de uma forma geral. Mas não acredito que desse para fazer muito melhor do que fiz em uma janela de poucos minutos. Não vou divulgar o nome da jornalista nem do programa no qual  ela trabalha pois não acho que essa informação seja relevante. Mas vou avisar a ela dessa postagem para ver se ela teria algum comentário para nos fazer a respeito dessa experiência.

Existem várias lições a se tirar desse rápido contato. Uma delas é que não existe solução simples que nos permita fornecer com um minimo de embasamento probabilidades para fenômenos; ainda mais fenômenos que são pouco frequentes e de difícil quantificação, como os que ela necessitava. Eu até poderia arbitrar valores 1%, 0,1% ou 0,01% mas não acho que isso seria eticamente correto. Como já dissemos aqui, não existe almoço grátis. Para fornecer probabilidades de forma séria, só tratando o problema em questão de forma séria e isso toma tempo.

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