terça-feira, 26 de agosto de 2014

Como mensurar e divulgar a dor da violência?

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Em postagem passada, discutimos a questão de divulgação de taxas de mortalidade e como elas se relacionam com a percepção que temos dela. Em particular, foi discutida a divulgação de taxas de mortalidade por homicídio. Foi visto que a norma vigente para divulgação dessas taxas é a padronização do número de ocorrências por cada 100.000 habitantes a cada ano. Isto é, se uma cidade de 6 milhões de habitantes tem 900 homicídios em um dado ano, a taxa de mortalidade por homicídios é dada por 900/6.000.000 = 15/100.000 e dizemos que a taxa de homicídios dessa cidade é de 15 homicídios por 100.000 habitantes. 

Vimos então que essas taxas variavam nos estados brasileiros entre 10 e 60 homícidios para cada 100.000 habitantes. Comparativamente fica claro que 10 é muito melhor que 60 mas será que esses números são aceitáveis? Mais ao ponto, como relacionar um dado valor da taxa com a sensação de perigo a ele associada? Se essa sensação pudesse ser passada de forma mais palpável para a população, ela saberia avaliar seus riscos de forma mais eficaz e tomar decisões apropriadas: mudar de estado, deixar de sair à noite, etc.

Pensando nessas questões, um engenheiro que trabalha na Polícia Federal está propondo uma forma alternativa de reportar taxas de mortalidade. Ele resolveu reportar o número de pessoas que uma pessoa verá ser assassinada dentro de um dado círculo. Como exemplo, ele resolveu tomar os círculos dados pela família próxima (pais e filhos), pela família estendida (levando em conta parentes próximos) e grupo de amigos. 

Levando em conta o tempo de vida de uma pessoa e a taxa de fecundidade é possível estimar tamanhos médios de famílias, necessários para esse cálculo. Assim, suas contas permitiram calcular que uma pessoa em Alagoas verá no decorrer de sua vida 1 parente próximo ser morto. Por outro lado, um cearense verá ao longo de sua vida 4 conhecidos serem assassinados ao passo que um paulista verá em média apenas 1 conhecido perder a vida em um homicídio.

Claro que essas contas são médias e se aplicam de maneira uniforme a todos os habitantes do estado considerado. Essa idéia pode ser estendida para poder incorporar as diferenças existentes dentro de um estados. Um exemplo mais óbvio é a diferenciação entre classes sociais. Outro bastante discutido na sociedade hoje em dia é a diferenciação entre raças. É sabido que as taxas de mortalidade para muitos tipos de doença e certamente para homicídios são muito mais severas para as camadas menos favorecidas, em um país tão desigual economicamente quanto o nosso. Raciocínio similar se aplica a raças.

A proposta tem o mérito de tentar levar mais para perto da população em geral a informação relevante sobre mortalidade, especialmente por causas violentas. Uma outra história é se a idéia contida nessa forma de reportar taxas será abraçada pela comunidade epidemiológica ou mesmo pela sociedade geral.

O artigo completo detalhando a metodologia usada pode ser visto aqui.

Um comentário:

  1. Excelente postagem Dani Gamerman. Não sei se você conhece mas John Allen Paulos em "Inumeracy", faz alusão a fenômeno semelhante em relação à sociedade americana no que se refere á sua sensibilidade sobre os custos de uma corrida armamentista e o poder de destruição de um arsenal nuclear.

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