terça-feira, 2 de setembro de 2014

O que é aleatoriedade? - parte I

quebecoislibre.org

Costuma-se chamar de aleatório (ou randômico) todo fenômeno cujo resultado não possa ser predito com certeza. O exemplo clássico e básico que todos se utilizam é o do lançamento de uma moeda. Supõe-se que não é possível prever se o resultado será cara ou coroa e costuma-se associar probabilidades iguais a esses 2 resultados possíveis por simetria. Depois se desfilam vários exemplos de situações aletórias como quantidade de chuva, altura, peso ou nível de glicose no sangue de um indivíduo e número de acidentes de trânsito em uma dada região. É assim que muitos de nós no mundo todo, eu inclusive, introduz o assunto em sala de aula. 

Esse tema já foi objeto de uma postagem aqui. Mas resolvi retomar o assunto devido a uma postagem recente de um blog de alunos de pós-graduação em computação do MIT, que discute o assunto a partir de uma videoconferência do matemático e computólogo israelense Avi Wigderson. Esse cientista defende que, assim como muitos outros fenômenos, o lançamento de uma moeda não tem nada de intrinsecamente aleatório. Uma vez lançada a moeda, seria possível avaliar as características desse lançamento (força, direção, etc) que combinadas com as características do local do lançamento (temperatura, umidade, etc) e com as leis da Física permitiriam a descrição exata da trajetória da moeda até que ela atingisse o repouso. Consequentemente, o resultado final desse lançamento seria perfeitamente descrito de forma determinística e predito de forma exata.

Notem que ao descrever o processo de lançamento da moeda, foi mencionada a descrição determinística apenas a partir do ato de lançar ter sido consumado. Isso porque não sei se é possível descrever de forma determinística o ato de lançamento em si. Isto é, será que a moeda é sempre lançada da forma como seu lançador pretendeu fazê-lo? Essa discussão beira a filosofia e quem sabe a teologia e não sei se vale a pena enveredar por ela. O ponto relevante é que em muitos fenômenos que podem ser descritos de forma exata existem componentes, notadamente associados ao comportamento humano, cuja natureza está longe de ser claramente determinada. E isso abriria a porta para questionamento da certeza do resultado do processo como um todo.

Olhando a questão do ponto de vista operacional, fica claro que, independente da visão que se assuma para o processo estudado, é muito mais fácil tratar de lançamentos de moedas como se fossem fenômenos aleatórios do que assumi-los como determinístico e levar em conta todas as equações que o caracterizam como tal. Alguém poderia argumentar que foi tratado apenas de um dos mais simples e irrelevantes processos aleatórios possíveis. Mas com pequenas adaptações, o mesmo raciocínio pode ser aplicado a inúmeros outros fenômenos comumente tidos como aleatórios, como lançamento de dados e previsão do tempo.

Essa mesma idéia acontece em outros problemas de Estatística. Um exemplo bastante utilizado é o de modelos de regressão. Nesses modelos, procura-se explicar o comportamento de uma variável de interesse, por exemplo o peso de uma pessoa, a partir de outras variáveis que possam explica-la. No caso do exemplo, os candidatos naturais a explicar o peso seriam a altura e a idade do indivíduo. É claro que esses não são os únicos explicadores e certamente encontraríamos outras variáveis relevantes se fossemos nos enfronhar nesses estudo. O nível de aprofundamento poderia até levar a caracterizar de forma exata o peso da pessoa. Mas esse esforço inevitavelmente levaria a um modelo tão complexo que se tornaria inviável usa-lo em larga escala. O que comumente se faz é considerar é considerar apenas as variáveis mais relevantes e substituir essa série de outras componentes de menor importância por um termo aleatório.

Assim, podemos tratar muitos fenômenos como se aleatórios fossem mesmo que intrinsicamente não o sejam. E essa estratégia pode ser extremamente vantajosa na compreensão dos problemas sendo estudados. Um conceito intimamente relacionado à linha de raciocínio descrita acima e extremamente utilizado nos dias de hoje é o de quase-aleatoriedade, cuja discussão ficará para a postagem seguinte.

5 comentários:

  1. Sempre achei que o nome randomico fosse apenas uma questão metodológica, visto que nunca acreditei que um lançamento de dados ou moedas obedecessem tal propriedade. Isto pq os lançamentos são feitos por individuos desejosos por u resultado, o que influencia no modo do lançamento.

    Muito bom trazer a tona esta discussão, visto que não se pode temer na mudança de certos paradigmas. Pena que muitos cientistas e professores sejam atrasados e estacionados, acreditando em imutaveis leis da matematica.
    Com o advento da computação pode-se fazer algo que a ciencia sempre desejou: representar o mais fiel possivel a realidade. Com dados mais micros e macros, com a capacidade de computar dados podemos agora estar nas entranhas da sociedade e descreve-la em numeros e modelos dinamicos sem medo de nao ser compreendido.

    Parabens professor pelo topico.

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  2. Interessante esse tema sobre a aleatoriedade, acredito que esta característica surge apartir do determinismo, no desejo e vontade em se querer determinar um fim, se ligado aos seres humanos e suas ações, creio também que hajam limites que são impostos para se chegar a um resultado possível, porém numa escala maior, a aleatoriedade seria como a teoria do caos. ;)

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  3. Muito bom o post.

    Acho o seguinte video, com o Professor Diaconis (entre muitos outros dele), também levanta alguns pontos bem interessantes sobre o assunto. https://www.youtube.com/watch?v=nAxEzxHkqyY

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  4. Interessante interpretação para o termo aleatório.

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  5. Obrigado a todos pelos comentários, especialmente ao Rafael pela indicação do video postado. Recomendo a todos. Persi Diaconis é um brilhante matemático/estatístico, além de ser um mágico de grande talento. Basicamente ele reflete uma concordância com os pontos de vista expressos na minha postagem mas apontados de uma outra maneira. Também gostei de saber evento e do Journal of Irreproducible Events.

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