terça-feira, 28 de abril de 2015

Banimento de testes de hipóteses - parte III

anisionogueira.wordpress.com

Como eu já tinha antecipado (e não era difícil de prever), a reação radical do periódico de Psicologia que reportei em postagem recente já encontrou eco em outras áreas. Cansados dos problemas causados pelo (muitas vezes inadequado) uso de abordagens frequentistas e sabedores da existência de outras abordagens que vem sendo elogiadas, notadamente a Bayesiana, outros meios começam a questionar de forma severa a abordagem frequentista e alguns já chegaram até a sugerir que ela deixe de ser ensinada. 

Já deixei claro aqui e reafirmo ser contra tais medidas. Aliás, medidas radicais são o melhor caminho a seguir em poucas ocasiões. Isso vale para qualquer assunto em qualquer área. Mas entendo as motivações por trás desse tipo de proposta. Algumas delas são válidas e devem ser respeitadas. Na minha prática universitária, sempre achei que o mais correto fosse apresentar ao menos os pontos de vista frequentista e Bayesiano a todos os alunos que estão se formando em Estatística e áreas afins. Isso vale tanto para graduação quanto para a pós-graduação. A minha prática profissional de décadas respalda esse ponto de vista. Desde os anos 80, quando voltei ao Brasil do meu doutorado tenho ensinado Estatística a meus alunos dessa forma. 

No entanto, o quadro nas outras instituições de ensino no país era (e continua sendo) radicalmente distinto. Naquela época, o padrão tanto na graduação quanto na pós-graduação era do ensino exclusivo da abordagem frequentista. Isso não era uma prerrogativa nacional; no mundo afora, a maioria dos cursos de Estatística era ministrado com apenas uma visão apresentada aos alunos. Quando muito, outras abordagens (notadamente a Bayesiana) eram apresentadas aos alunos apenas em disciplinas eletivas, ou seja, o seu conhecimento não era considerado fundamental para a formação do estatístico e poucos alunos de animavam a obter essa informação.

Nos dias de hoje, esse quadro se alterou bastante no cenário aplicado e muitos usuários de Estatística tem aplicado metodologias não-frequentistas. Mas tenho impressão que o quadro discriminatório do parágrafo anterior continua sendo a norma na grande maioria dos cursos de formação de estatísticos pelo país, mesmo em departamentos onde existe uma quantidade expressiva de pesquisadores Bayesianos ou defensores de outros pontos de vista. Não consigo entender porque isso ainda não foi corrigido. Existe nos dias de hoje uma profusão de material didático (livros e software) de apoio ao menos para o ponto de vista de Bayesiano, assim como já existe há muito tempo para o ponto de vista frequentista.

Mas o que me causou mais espécie foi a reação que alguns estatísticos tiveram à proposta de banimento do ensino da Estatística frequentista. Numa surpreendente mudança de posição, passaram a defender de forma intransigente a abertura completa da informação aos alunos. Esquecem-se que não fizeram/fazem nada por essa abertura quando se tratava/trata de movimento na direção contrária à posição que defendiam/defendem. 

Existem várias explicações possíveis para essa postura. A pior delas é motivada por puro preconceito e manutenção do status-quo que favorece esses grupos, mesmo entendendo isso como discricionário. Mas prefiro acreditar que essa posição seja mais motivada por comodismo; afinal, mudar dá trabalho, especialmente em um país burocrático como o nosso.

De qualquer forma, esperamos que essa unanimidade na retórica seja acompanhada por uma prática compatível com o discurso. Isto é, que o ensino da Estatística mude de forma a fornecer uma visão abrangente e todos os alunos tenham de ser expostos aos pontos de vista frequentista e Bayesiano desde o início da graduação até o mais alto nível de pós-graduação. Somente de posse dessa informação é que o aluno tem condições de escolher o rumo que ele quer seguir. 

Capacidade instalada e mão de obra qualificada para essa tarefa nós temos. E quem não tem, deveria, coerentemente com o discurso, correr o mais rápido possível para ter. A Estatística brasileira só teria a ganhar com essa mudança mas ela precisa ser feita para ontem para não nos distanciarmos ainda mais dos centros mais avançados no mundo.  

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