terça-feira, 30 de junho de 2015

Greve docente e movimento estudantil: tensões entre processo e resultado

por Tatiana Roque
Professora do Instituto de Matemática da UFRJ

A universidade pública vive um momento difícil. Por um lado, cortes de verbas, problemas com assistência estudantil, bolsas e infraestrutura. Por outro, intensos movimentos de estudantes e discussões acirradas sobre greve de alunos, técnicos e docentes.
Após a expansão universitária e a democratização do acesso, a universidade pública vem se tornando um espaço de experimentação e embate entre forças sociais e políticas de tipos distintos. O perfil de alunos e professores mudou, fazendo com que ela tenha se tornado um laboratório privilegiado para os movimentos sociais.
Com a agitação, surge também a disputa entre formas distintas de organização. É possível notar, nesse contexto, uma diferença entre o movimento dos estudantes e a proposta de greve docente. Um rápido olhar poderia dar a entender que ambos os movimentos possuem o mesmo objetivo: lutar contra o corte de verbas para a educação, consequência do ajuste imposto pelo governo federal.
Analisando de perto, enxergamos diferenças consideráveis, tanto a respeito das reivindicações, quanto dos tipos de organização envolvidas. Claro que, em ambos os casos, enfrenta-se a ameaça do aparelhamento, ainda que de modos distintos, mas há uma questão que se coloca antes dessa.
Parece interessante, no momento político em que vivemos, analisar os movimentos a partir da tensão entre processo e resultado. Praticar um novo modo de conciliar esses aspectos foi a grande inovação do Movimento Passe Livre, como sugere Pablo Ortellado no livro 20 centavos: a luta contra o aumento.
Ao contrário dos movimentos sociais que, desde os anos 1970, valorizaram mais o radicalismo dos princípios e menos os resultados práticos da ação política, a luta contra o aumento da tarifa, que iniciou as manifestações de junho de 2013, conseguiu combinar processo e resultado. Desde a fundação, o MPL adotou os princípios de autonomia, independência, horizontalidade e apartidarismo.
Soube aliar a isso, contudo, um profundo sentido de tática e estratégia, observando que, para ser vitorioso, devia focar numa única demanda: a redução da tarifa. Foi possível, desse modo, negociar com o poder público sem perder o radicalismo, obtendo uma dupla vitória: reduzir o custo das passagens e trazer para a centralidade do debate político a tarifa zero.
Processos (experimentação de formas de organização para expressar a contrariedade em relação às restrições impostas pelo governo) e resultados (garantia das medidas de permanência estudantil) podem mobilizar toda a comunidade universitária em uma luta vencedora. As reivindicações dos estudantes têm um potencial mobilizador enorme, pois todos reconhecem que a mudança no perfil dos alunos tornou fundamental a garantia de que possam efetivamente cursar a universidade. O corte de gastos do governo ameaça a própria política de expansão e democratização, hoje vista com bons olhos na universidade.
Bem mais difícil é entender como essa reivindicação se relaciona com a greve docente. Antes mesmo dos movimentos estudantis se mobilizarem, já havia sido proposta uma greve docente nacional, pelo Andes-SN em conjunto com todos os servidores federais, reivindicando aumento salarial e mudanças na carreira.
Consultando o tema das últimas reuniões do sindicato com o governo, observamos que as tentativas de negociação foram, em sua maioria, sobre a reestruturação da carreira. Só que uma grande parte dos professores não está de acordo com a carreira defendida pelo sindicato e esse é apenas um dos pontos que impede a adesão de algumas universidades à greve docente.
É claro que é preciso melhorar o salário e as condições de trabalho dos professores das IFE, sobretudo daqueles em início de carreira, já bastante prejudicados pelas mudanças na aposentadoria. Contudo, mesmo entre aqueles que reconhecem esse problema, está longe de haver um apoio considerável à carreira proposta pelo Andes. Além da discordância em relação a esse e outros pontos da pauta de greve, há um descontentamento enorme em relação aos métodos por meio dos quais essa pauta é construída.
Em um momento de crise da representação, ao invés de criar mecanismos de estímulo à participação, com uma consulta mais ampla e efetiva aos docentes, o sindicato constrói uma pauta de reivindicações a partir de uma multiplicação de instâncias de decisão de cunho representativo, com delegados eleitos em assembleias da categoria esvaziadas e congressos nacionais frequentados por sindicalistas profissionais. Dessa forma, não há espaço nos processos decisórios para professores que vivem uma temporalidade distinta daqueles que se dedicam primordialmente à atividade sindical.
Diante disso, cabe perguntar qual seria o ganho estratégico de misturar a reivindicação dos estudantes com a dos docentes. As greves dos docentes, nos últimos anos, têm tido por efeito o esvaziamento da universidade em vez da mobilização pretendida. Uma das razões para isso é exatamente a falta de uma participação mais ampla dos professores na construção das reivindicações e nas decisões do sindicato. Para gerar mais mobilização, as reivindicações precisariam ser produzidas a partir de mecanismos de participação mais efetivos e de uma análise dos problemas locais.
Ao contrário desses impasses que rondam o movimento docente, o movimento dos estudantes possui uma pauta mobilizadora: assistência estudantil, bolsas e medidas que garantam a permanência dos estudantes, como moradia, bandejão e transporte. Uma mobilização por essa pauta pode ter resultado imediato, pois professores, a favor ou contra a greve docente, reconhecem sua legitimidade e sua urgência. Esses são os nossos 20 centavos.
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Esse texto foi publicado na Carta Capital

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