terça-feira, 28 de julho de 2015

Entrevista com Helio Migon

durante seu doutorado em Warwick, 1982

durante o 8o. EBEB comemorando seus 60 anos, 2006

Tive o prazer de realizar para o boletim do ISBA uma entrevista com o Prof. Helio S. Migon (HSM). A entrevista foi realizada ao vivo mas à distância via skype em um final de tarde de maio de 2015 e acaba de ser publicada na edição de junho de 2015 do boletimA versão que segue abaixo é a original, reproduzindo fielmente a entrevista, que foi realizada em português, e está disponível com exclusividade aqui no StatPop; a versão publicada no boletim só saiu após uma tradução para o inglês.

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O Prof. Migon é uma das figuras centrais no desenvolvimento da Estatística Bayesiana no Brasil. Sua pesquisa se concentra principalmente em modelos dinâmicos, com destaque para seu artigo seminal Dynamic Generalized Linear Models and Bayesian Forecasting, publicado com discussão no JASA. Outras áreas de atuação foram Econometria, Atuária e Modelos Hierárquicos. Prof. Migon é um profílico pesquisador, tendo publicado mais de 60 artigos em periódicos de Estatística, o livro Statistical Inference com a editora Chapman & Hall, já em sua 2a edição (co-autorado por mim e F. Louzada) e 6 outros livros de Estatística em português. Ele orientou 24 alunos de doutorado e 39 alunos de mestrado, incluindo Carlos Carvalho, Marco Ferreira, Thais Fonseca e Hedibert Lopes, criando assim uma forte tradição de Bayes na UFRJ e no Brasil. Além dessa atividade de pesquisa, Helio foi Coordenador de Pós-Graduação em Estatística e Chefe do Departamento de Métodos Estatísticos na UFRJ, onde passou a maior parte da sua carreira profissional e foi também Presidente da Associação Brasileira de Estatística. 


- Como, depois de fazer graduação e mestrado frequentistas, você se tornou Bayesiano?
HSM: Numa de minhas visitas frequentes a biblioteca, durante  o mestrado (longo mestrado 71-74!!!) me deparei com o livro do Box e Tiao. Tentei ler algumas coisas mas não tinha bagagem suficiente. De outro lado, um grande amigo da época da graduação havia voltado do doutorado no CORE em Louvain, sob a supervisão do Drèze, um econometrista, com  inclinações Bayesianas, e me sugeriu o livro do Zellner. 



- E daí a virar Bayesiano...?
HSM: Esses foram os primeiros contatos com o argumento Bayesiano. O fator definitivo para optar pelo caminho Bayesiano foi, entretanto, a sugestão do nosso amigo Basílio para que eu aplicasse para o doutorado em Warwick. Ele havia assistido a apresentação do paper do Jeff Harrison na RSS* e me recomendou tanto o tema como o contato com o saudoso Jeff. Desde as leituras do Zellner, eu pensava em trabalhar com funções de transferência, em razão de suas obvias aplicações em econometria. Essa é uma área de aplicação  na qual sempre tive um certo interesse desde a graduação e, sobretudo, após um curso de extensão em Economia no CENDEC/IPEA em Brasília. 



- Quais são as suas maiores referências (presentes e passadas) no pensamento Bayesiano? 
HSM: Como já revelei acima, sempre me encantou o vigor da argumentação Bayesiana do Arnold Zellner. É claro que, pelas mesmas razões, não poderia deixar de lembrar do Dennis Lindley. No presente são muitas as referências influentes. Admiro os desenvolvimentos em teoria da decisão onde eu citaria J. Berger, S. French e M DeGroot como autores influentes. De outro lado, as contribuições de Bernardo e Smith também me são significativas. 



- Parece-me que suas principais referências são baseadas em livros (ao invés de pessoas, artigos ou palestras). Você acha que livros são os meios mais importantes de disseminação de idéias na Estatística?
HSM: Claro que os livros são referências essenciais para a divulgação, sobretudo, do conhecimento já consolidado. Os artigos ou palestras são fundamentais para acompanhar e participar do desenvolvimento corrente da ciência. 


- Qual(is) você considera sua(s) maior(es) contribuição(ões) para o avanço da Estatística Bayesiana?
HSM: Tenho trabalho em diversas direções, predominantemente com ênfase aplicada. De início, as contribuições em modelos dinâmicos foram significativas incluindo os modelos dinâmicos lineares generalizados e os modelos hierárquicos dinâmicos (junto com você).
Algumas aplicações econométricas incluem modelos de função de transferência, modelos vetoriais autoregressivos (VAR) e mais recentemente modelos dinâmicos de equilíbrio geral com erros heterocedásticos (DSGE). Em Atuária, também, tenho um par de contribuições usando modelos hierárquicos dinâmicos.  
Nos últimos anos fiz algumas inserções em prioris objetivas. Em particular, prioris de Jeffreys em modelos de regressão t-Student e Exponencial Potência, com vários colaboradores. Atualmente, venho propondo o uso de prioris objetivas em modelos de penalidade em regressão. 



- Qual a sua posição sobre a dicotomia subjetivista - objetivista do paradigma Bayesiano tanto filosoficamente quanto operacionalmente?
HSM: É inegável que o mais relevante é sempre o problema científico que você esta resolvendo ou pretendendo resolver.  Nesta medida, devemos procurar usar os métodos mais adequados independente de corrente filosófica. Sempre que for viável especificar subjetivamente suas distribuições a priori, acho que devemos fazê-lo. Todavia, ao estruturarmos os parâmetros de certo modelo acabamos chegando a um nível onde a elicitação subjetiva se torna difícil por se tratar de parâmetros com pouca interpretação física e, consequentemente, de difícil avaliação subjetiva.

- Então você defende que o ponto de vista objetivo só deva ser usado quando não se dispõe de informação prévia?
HSM: Sim. Acho que um exemplo pode ajudar a esclarecer minha opinião. Pense numa simples regressão robusta.  Não é difícil explorar informações subjetivas para elicitar os coeficientes da regressão, mas é pouco provável que o cientista colabore na avaliação subjetiva, digamos, dos graus de liberdade da regressão t-Student. 



- Gostaria de uma análise sua sobre o avanço da Estatística Bayesiana nas últimas décadas: 1) foi maior, igual ou menor que o esperado?
HSM: Sem dúvida foi muito mais ampla do que o esperado por mim. Os métodos numéricos dos anos 80, liberando as análises com prioris conjugadas, aceleraram o crescimento da Estatística Bayesiana, permitindo  a elaboração de modelos de alta complexidade e, portanto, mais aderentes à realidade.


- 2) Qual peso você atribui a esses métodos e qual você atribui ao MCMC? 
HSM: O  MCMC tem, sem dúvida, um peso maior que os demais. Talvez até mesmo por ter atropelado diversos desenvolvimentos do início dos 80. O risco é acabarmos usando o potencial dos métodos de MCMC em situações onde abordagens computacionalmente menos intensivas poderiam fornecer resposta igualmente precisas e em tempo, às vezes, expressivamente menores.


- 3) você considera esse avanço positivo (alguns sustentam que muitas pessoas passaram a usar sem saber direito o que estavam fazendo)? 
HSM: De fato, quanto mais automatizamos os usos de certas técnicas mais riscos correremos de maus usos. Apertar botões é sem duvida mais confortável do que ter de pensar no problema, na sua modelagem e na implementação de algoritmos para a  inferência. Acho, todavia, que esses riscos devem ser assumidos, pois o uso mais generalizado serve para divulgar o potencial da abordagem Bayesiana. O remédio é proporcionar cada vez mais treinamento nos fundamentos Bayesianos para um publico amplo. Só assim as aplicações irão se tornando de maior qualidade, sempre que possível envolvendo e comprometendo o tomador de decisão e  o analista de decisão.

- Como você vê as novas técnicas que surgiram ou foram revisitadas junto com o MCMC?
HSM: No desenvolvimento científico temos, às vezes, movimentos de volta ao passado. Isto é, certos avanços se dão às custas de se perder algumas facilidades disponíveis nos métodos passados. Logo, acabam por sugerir revisitas ao passado. Em modelos dinâmicos isto é típico. O MCMC sacrifica a análise seqüencial, tão desejável, enquanto amplia a capacidade de modelagem. Os filtros de partículas recuperam este aspecto sequencial sem perder a capacidade de modelagens bastante gerais.

- O que você acha que ainda falta para a Estatística Bayesiana?
HSM: A ciência está em permanente evolução. Logo, sempre faltará algo (embora eu não saiba predizer o que). Com certeza temos diversos desafios vindo das mais variadas áreas da ciência. As grandes massas de dados certamente demandarão ainda muitos desenvolvimentos dos métodos estatísticos.

- Como você vê o futuro da Estatística Bayesiana no Brasil e no mundo?
HSM: Vejo com otimismo o futuro da estatística Bayesiana. Em geral, em seu fundamento a estatística Bayesiana oferece as respostas esperadas pelos cientistas. Como mencionado, a interação com outras áreas científicas, mais especificamente, Computação, em geral, e Machine Learning, em particular, alavancará novos desenvolvimentos. 
No Brasil, temos ainda de galgar várias etapas básicas. Embora tenhamos um bom desempenho a nível de desenvolvimentos metodológicos, com alguns poucos pesquisadores com  contribuições reconhecidas internacionalmente, precisamos ampliar em muito o treinamento de nossos alunos, quer de graduação em Estatística, mas especialmente aqueles das áreas aplicadas. Predomina, ainda, o ensino “fracionado” da Estatística. O argumento Bayesiano, quando transmitido, se resume a um capítulo no final do curso ou, às vezes, a um curso básico de baixa motivação.
Enfim minha recomendação é de que continuemos nos empenhando para atrair bons alunos, ampliar os intercâmbios nacionais e internacionais e que continuemos nos desdobrando para superar as dificuldades estruturas que vivenciamos cá no Brasil. Assim só resta:  “trabalhar, trabalhar, trabalhar…"
Gostaria de terminar agradecendo ao Dani pelas simpáticas e estimulantes perguntas.

* - o artigo Bayesian Forecasting de P. J. Harrison e C. F. Stevens foi apresentado em uma reunião da Royal Statistical Society e publicado no periódico JRSSB em 1976.

2 comentários:

  1. Boa entrevista.
    Sobre os desenvolvimentos futuros, creio que vale a pena olhar o que tem sido feito na ciência política, que tem hoje forte influência da modelagem Bayesiana (as maiores influências, creio, são o Andrew Gelman, Jeff Gill e o Simon Jackman).

    De um lado, temos a análise quantitativa de texto, que é basicamente Bayesiana, muito desenvolvida na comunidade de machine learning e bastante usada na ciência Política.

    Mas ainda gostaria de ver soluções Bayesianas para análsies causais. O modelo de Rubin de causalidade, por exemplo, é sempre ensinado sem qualquer referência a Bayes. O mesmo para variáveis instrumentais, matching (até onde sei, já que conheço pouco de matching) e regression desontinuity design. O que você acha disso?

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  2. Manoel, voltarei mais vezes ao tema causalidade, começando pela postagem de amanhã.

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