terça-feira, 3 de novembro de 2015

Política x Educação - parte III

eurocockpit.be

Acaba de assumir o sindicato dos docentes da UFRJ uma chapa propondo renovação, com desinterdição de temas proibidos para debates, como o desta postagem, e a desmontagem de rótulos utilizados no meio sindical, tipicamente usados como desabonadores e em um sentido difuso. Motivado por esse movimento de arejar ambientes pouco afeitos a troca de idéias, resolvi retomar um relato que fiz alguns meses atrás do processo de sucessão para a Reitoria da UFRJ. Tenho poucas esperanças de agradar os mais engajados politicamente mas o objetivo é informar as mazelas que envolvem esse complicado processo sucessório nas universidades públicas a um público mais amplo

O processo sucessório para a Reitoria da UFRJ no período 2015-2019 encerrou com a indicação pelo governo federal do novo Reitor da UFRJ em julho de 2015. Essa indicação foi baseada no envio pela UFRJ de uma lista tríplice, elaborada por um Colégio Eleitoral constituído pela UFRJ, como manda a lei. Apesar da retidão dessa última etapa de um longo processo, a elaboração dessa lista teve acontecimentos que foram decisivos para o desfecho dessa eleição e merecem uma reflexão.

A lei que regulamenta o processo de escolha de dirigentes de universidades federais é o Decreto 1916, de 1995. Esse decreto prevê logo em seu 1o artigo que o processo de eleição para dirigentes (Reitores, Decanos e Diretores de Institutos) atribua peso 70% para a categoria de professores. Essa lei procurou refletir o entendimento universalmente consagrado de que o papel primordial nos destinos da universidade é da categoria docente. Mesmo assim, a UFRJ decidiu que o sistema de consulta à comunidade, que é facultada pela lei, não obedeceria esse decreto e daria pesos iguais para professores, funcionários e alunos, na chamada paridade. Essa paridade é uma reinvidicação recorrentemente feita por muitos sindicatos das universidades mas há exceções.

Alguns setores tem a crença na legitimidade da paridade por entenderem que se a universidade a adotou, então teria de existir lei que a amparasse. Outros entenderam que todo o processo estaria no amparo da lei pelo fato do Colégio Eleitoral respeitar a proporção de 70% para docentes. Assim, em um acordo de cavalheiros, resolveu-se convencionar que a proporção seria paritária. Houve vozes dissonantes mas que não mantiveram o argumento, talvez por temer a reação dos defensores da paridade e assim serem taxados de anti-democratas e se expor a agressões. Como a presidente da SBPC recentemente ressaltou, nas melhores universidades do mundo a escolha do reitor se dá sem nenhuma eleição, e isso não parece estar atrapalhando o seu desempenho. Mas no Brasil se convencionou agir de forma diferente.

A UFRJ resolveu chamar de pesquisa a consulta prévia à sua comunidade, acreditando que essa mudança de nome lhe conferiria carater de informalidade, facultando-lhe o não cumprimento da lei dos 70%. A consulta realizada foi bastante formalismo envolvendo detalhada regulamentação, extensa preparação, definição de mesários com controle de votantes e até uso de urnas eletrônicas. A julgar pelo seu site, a UFRJ não parece ter se preocupado com a questão legal, publicando que a consulta seguiu o "princípio da ponderação paritária".

A UFRJ também resolveu que a consulta seria realizada em 2 turnos; no 2o turno se apresentariam apenas os 2 primeiros colocados na 1a etapa da consulta. Não está claro porque uma consulta deva ter um 2o turno. Ela deveria servir como base para que os eleitores de fato (o Colégio Eleitoral da UFRJ) tivessem um retrato do que pensam os membros formais da comunidade UFRJ e o resultado do 1o turno forneceu tal quadro. (Essa comunidade possui também inúmeros membros informais, como funcionários terceirizados da limpeza e segurança assim como prestadores de vários tipos de serviço como alimentação, construção e manutenção, mas que não participaram do processo.)

Realizado o 1o turno da consulta, o site da UFRJ informou que a Chapa 30 "teve 1.276 votos de docentes, 1.615 votos de técnicos-administrativos e 2.224 votos de estudantes. Totalizando 8.507 votos, com expressiva participação dos alunos (6.353), a Chapa 20 recebeu 672 votos de docentes e 1.482 de técnicos-administrativos. Já a Chapa 10 totalizou 3.012 votos, sendo 892 docentes, 1.000 técnicos e 1.120 alunos." Chama a atenção o site ter expresso um juízo de valor e ainda por cima equivocado ao qualificar como "expressiva" a participação em torno de 10% dos alunos da UFRJ. Mas o fato relevante é que se a lei fosse seguida, a Chapa 20 teria ficado em 3o lugar e não iria para um desnecessário 2o turno. Mas prevaleceu a norma da UFRJ e foram para o 2o turno a chapa 30 (vencedora do 1o turno sob qualquer ponderação) e a chapa 20, última colocada com qualquer ponderação que obedecesse a lei. 

Os defensores da paridade argumentam que os membros do Conselho Universitário da UFRJ, inclusive os 3 candidatos que se apresentaram para a consulta, concordaram com isso. Mesmo que toda a comunidade da UFRJ tivesse concordado com isso, a inconsistência não deixaria de existir. Essa é uma lei do país onde a UFRJ está instalada e que a sustenta. Mas alguns setores das universidades brasileiras entendem que a autonomia que almejam para as universidades fornece a elas prerrogativa de entidades autônomas e independentes que atuam com regras próprias, que independem da lei do país, mas sem abrir mão do aporte de recursos que as mantem. 

No 2o turno, a chapa declarada vencedora recebeu 1.133 de professores, 2.706 de técnicos-administrativos e  9.538 de alunos. A chapa declarada perdedora recebeu 1.851 dos professores,  1.905 dos técnicos e 2.824 votos dos alunos. Novamente, um exercício elementar de Matemática atesta a vitória da chapa declarada perdedora, caso a legislação em vigor fosse seguida. Como não foi, a consulta terminou por indicar como vencedor do processo o candidato que foi o último colocado na consulta/pesquisa. Chama a atenção a margem da sua derrota: 62% dos docentes da UFRJ que participaram do processo, optaram pela Chapa 30. Essa maioria enviou uma demonstração de preferência, confirmando manifestação similar no 1o turno. Chama também atenção a forma como esse resultado foi apresentado no site da UFRJ. Em uma deselegância com o Colégio Eleitoral que ainda iria se reunir no dia seguinte e/ou ignorância sobre o processo como um todo, a notícia veiculando esse resultado dizia que o vencedor da consulta "é eleito novo Reitor da UFRJ"

Diferente do que aconteceu entre o 1o e o 2o turno, onde houve 2 semanas de intervalo, o intervalo entre o resultado do 2o turno e a reunião do Colégio Eleitoral onde se elaborou a lista tríplice foi de apenas 1 dia. Justamente quando se precisava de mais tempo para refletir sobre o ocorrido. Por que isso foi feito assim? A quem interessaria ausência de tempo para reflexão? Os defensores mais antigos dessa estratégia argumentam que há algumas décadas foi feito um acordo não escrito na UFRJ em que todas as consultas deveriam ser homologadas pelo respectivo órgão deliberador. Não sei se esse acordo existe, mas ele parece ter sido cumprido.

Alem disso, na eleição do Colégio Eleitoral foram introduzidos nomes de candidatos que não tinham participado do processo até então e enviados ao Governo Federal. As detalhadas regras do processo foram omissas sobre que candidatos poderiam participar dessa votação, permitindo inclusive candidatos que não se submeteram à consulta/pesquisa. Foram votados pelo colégio eleitoral apenas nomes ligados à chapa declarada vencedora, deixando claro que a consulta com sua ponderação paritária foi decisiva, apesar de tentativas de caracteriza-la como informal.


O texto acima enfatiza o respeito à lei por essa ser uma prerrogativa básica do regime democrático. Porque é tão importante cumprir o estado de direito? A resposta deveria ser óbvia mas sempre vale a pena explicitar. Imaginem se cada um resolver respeitar apenas as leis que considera justa: Fulano não respeitaria sinal vermelho, Sicrano não pagaria impostos e Beltrano furaria as filas... Esse não parece ser um caminho recomendável para uma vida saudável em sociedade.

Estamos em um momento de diferentes instâncias de questionamento da estrutura democrática implantada no país. Os governos sucessivos e o Ministério da Educação trabalharam arduamente para que a universidade brasileira avançasse. Não concordo com todas as medidas adotadas nesse período mas as respeito pela sua legitimidade. Espero que o mandato da nova Reitoria seja baseado no respeito às leis do país que a sustenta.

2 comentários:

  1. Professor, com todo respeito, seus argumentos sao, no minimo, ingenuos. Quando eu digo que a lei deve ser cumprida se e somente se for justa, nao estou dizendo que cada um deve fazer o que quer. Para comeco de conversa, as pessoas JA fazem o que lhes da na telha, especialmente as mais ricas [Vide o filho do Pitanguy que, bebado, matou um operario e saiu livre]. Meu argumento eh, isso sim, de que a lei nao pode ser desculpa para a manutencao de injusticas, mesmo quando um numero substancial de individuos protesta contra a dita lei. Discordo visceralmente de que seja "entendimento universalmente consagrado" que "o papel primordial nos destinos da universidade é da categoria docente". Sem alunos nao ha universidade. E, repito, quem vai limpar as privadas? Oras, se eu tenho que pedir a um sujeito que limpe a minha bagunca, o minimo que devo a ele eh perguntar sobre qual rumo a instituicao onde ele trabalha deve tomar. Os docentes somos muito importantes, e por termos mais experiencia, talvez sejamos mais capazes de ver o que o futuro reserva e ajudar a planeja-lo mais eficientemente. Mas dai a legitimar uma hierarquizacao sem pe nem cabeca eh um longo caminho. O papel da professora eh orientar, ser a luz que ilumina o caminho dos alunos.
    Nao se trata de cada um fazer o que quer. Se trata de nos discutirmos a adequacao das leis de forma verdadeiramente democratica. E nao me venha dizer que o atual sistema eh uma boa saida. Se voce me disser que um sistema criador de leis que tem Renan Calheiros e Eduardo Cunha como lideres eh uma boa maneira de regulamentar a sociedade eu serei forcado a duvidar da sua seriedade.

    Cordialmente,

    Luiz

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  2. Prezado Luiz MCarvalho, ao contrário de você, achei os comentários do Ganmermann lúcidos e, digamos, elegantes. No fundo, creio que se as posições fossem as inversas, tenho certeza absoluta que a Chapa 20 estaria denunciando "um golpe", sem qualquer preocupação com a estabilidade institucional (isso aconteceu no reitorado do Prof. Vilhena, por exemplo, outro que costumava atropelar o CONSUNI). O caminho para quem discorda das leis, é procurar mudá-las, e não desrespeitá-las. Caso contrário, instala-se o caos. O Congresso, realmente nisso concordamos, é deprimente, mas é o espelho do povo, e no estado de direito democrático, quem tem legitimidade para definir quais serão as regras. Não cabe a você ou ao Colégio Eleitoral da UFRJ esse papel, isso é usurpação. O fato de haver aqueles que desrespeitam a lei não implica a liberação para todos desrespeitarem, isso sim que seria uma ingenuidade (quem acha que não vai preso, que pague pra ver), ou, talvez, uma boa dose de oportunismo.

    Creio que no caso de uma universidade, que é uma organização do tipo burocracia profissional, os mais habilitados para definir sua estratégia e orquestrar sua governança sejam, exatamente, os professores (realmente não consigo entender porque isso não é óbvio). Ouvir os alunos (usuários/clientes) é fundamental como um instrumento de gestão (de retroalimentação e decisão) da qualidade, e deve ser uma ação permanente, suscitando as melhorias consideradas cabíveis. Ouvir os funcionários também é fundamental, mas, novamente, como instrumento de gestão permanente, porque trazem informações sobre problemas e soluções operacionais que poderiam melhorar o desempenho da instituição. Penso que a representação destes nas diversas instâncias colegiadas já cumpra esse papel. Entretanto, o projeto pedagógico institucional, a estratégia da organização, deveria ser conduzida eminentemente pelos docentes, os profissionais que são responsáveis e imputáveis pela qualidade do serviço. Ou será que podemos antever um aluno se tornando Reitor? Do meu ponto de vista, a paridade é uma incoerência com a busca pela qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão da Universidade. Sinceramente, Vinícius.

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