Um tema que me chama atenção há algumas décadas ressurgiu na mídia nacional recentemente. Com forte matiz político sublinhando as argumentações, acabou se tornando um tema quase tabu e as discussões refletem essa sensibilidade social que o tema desperta. Resolvi então destacar 2 textos sobre o assunto: um contra e um a favor. A complexidade do tema também não facilita e é comum ver abordagens que escamoteiam pontos importantes, que acabam ficando sem resposta. De qualquer forma, espero que a leitura dos textos a seguir contribua para um melhor entendimento desse espinhoso assunto. Esta postagem apresenta a visão a favor da gratuidade e a próxima o argumento contra ela.
Quem paga o pato?
por Tatiana Roque*
Discutir o ensino superior público e gratuito exige uma análise das universidades federais. Essas universidades possuem mecanismos expressivos de democratização do acesso, pois metade das vagas, pela lei de cotas, é destinada a estudantes egressos de escolas públicas. Além disso, há vagas reservadas para quem tem renda per capita de até 1,5 salário mínimo. Detalhando:
Um quarto dos alunos vem da escola pública e possui renda per capita inferior a 1.320 reais;
Um quarto não passa por corte de renda, mas vem também da escola pública (desses dois primeiros grupos, uma parte é de negros, pardos ou índios).
O que significaria, em números, cobrar mensalidades? Primeiro, calculamos o valor arrecadado cobrando-se uma mensalidade de R$ 2 mil da metade não cotista. Em 2014, a UFRJ tinha 43.400 alunos de graduação. Se metade deles pagasse, daria 520 milhões no ano, menos de um terço do orçamento da universidade (aproximadamente R$ 1,7 bilhão).
E qual a renda dos alunos supostamente pagantes? Um estudo publicado pela Associação dos Dirigentes das Instituições Federais em 2011, antes das cotas, mostra que 85% dos estudantes das federais tinham renda média familiar de até 10 salários mínimos e 70%, de até 6 salários. Hoje, o percentual nessas faixas de renda deve ser, no mínimo, parecido. Há, portanto, uma parcela considerável de estudantes não cotistas com renda familiar média inferior a 8 mil reais. Cobrar uma mensalidade de 2 mil significa, na prática, excluir essas pessoas da universidade pública. Diante desses números, só podemos concluir que a cobrança ou é irrelevante ou é excludente.
A universidade vem se tornando um instrumento cada vez mais efetivo de mobilidade social. O estudo citado mostra que 70% dos alunos das federais, quando formados, teriam um nível de escolaridade superior ao de seus pais. A universidade pública, além disso, é uma instituição de pesquisa, por isso demanda investimentos. "Aqui se ensina porque se pesquisa", dizia Carlos Chagas, pioneiro em nosso projeto de desenvolvimento, que considera educação e ciência estratégicas. Vale a pena arriscar esse patrimônio por tão pouco?
Numa sociedade justa, quem possui maior renda paga mais pelo bem comum, ou seja, paga mais impostos. No Brasil, só os pobres pagam muito imposto. Isso porque mais da metade da arrecadação provém de tributos sobre bens e serviços, com baixa incidência sobre patrimônio e rendimentos elevados. Um estudo do Ipea mostrou que um imposto progressivo sobre lucros e dividendos, atualmente isentos, permitiria arrecadar 70 bilhões por ano, o que pagaria mais de 40 universidades do tamanho da UFRJ. Não arrecadar esses impostos e cobrar mensalidades nas universidades significa, no frigir dos ovos, onerar ainda mais os pobres e a classe média para continuar desonerando os ricos.
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