terça-feira, 24 de outubro de 2017

Catalunha explicada por Jeffreys

www.bbc.com

por Stefano Cabras*

Como se explica a radicalização do conflito catalão?

Tentamos explicar por que o debate se radicalizou entre “independentistas” e “não independentistas” (ou como cada parte se queira definir) e desapareceram as posturas moderadas.

Tentaremos fazê-lo com um pouco de senso comum feito pela Matemática: a Estatística.

… mas antes é preciso estabelecer alguns pressupostos.

Suponhamos que exista um conjunto de pessoas que apostem uma quantidade de benefícios (exemplos: euros, tempo libre, etc…) medidos em unidades δ>0 a favor da independência ou contra, isto é δ<0.

Sendo “objetivos”, não teríamos razão suficiente para pensar que alguma aposta δ merece mais credibilidade que outra e diremos que δ é qualquer valor entre (−∞,∞) com a mesma “probabilidade”.

A menos que esse conjunto de pessoas estejam “loucas”, δ será exponencialmente proporcional à probabilidade p (entre 0 e 1) de obter benefícios da independência e inversamente proporcional à probabilidade de não obtê-los, quer dizer
Por exemplo, alguém que tem muito claro que terá benefícios apostará δ>0, ou seja p>1/2, enquanto os outros ao contrário δ<0 ou seja p<1/2. Quem não tem clareza se terá benefícios ou não apostará nada δ=0 e p=1/2.

... se a nossa postura “objetiva” for certa então, qual é a proporção p de pessoas a favor ou contra a independência? Resposta: só haverá extremistas.

Utilizando um pouco de cálculo, resulta que p tem uma distribuição de probabilidade igual à Beta(1/2,1/2), que tem esta cara:

p=(0:100)/100
plot(p,dbeta(p,1/2,1/2),type="l")


Este gráfico nos diz que se for certa nossa postura “objetiva” só haverá extremistas porque existe muita probabilidade ao redor de 0 e de 1.

Isso explicaria porque o conflito se radicalizou em totalmente a favor versus totalmente contra a independência. O resultado parece aparentemente surpreendente com respeito a uma postura a priori “objetiva” e neutra com respeito ao tema da independência.

Essa distribuição também é conhecida como a priori de Jeffreys em homenagem a Sir Harold Jeffreys.

O que poderíamos fazer? Resposta: Não apostar.

Aqui também entendido no sentido de não deixar que se aposte muito a favor ou contra.

Por exemplo, se se deixar que a razão entre os que apostam a favor contra os que apostam contra fosse algo menor que 5 vezes, já teríamos obtido uma proporção considerável de moderados (por exemplo os entre 0,2 e 0,8):

lp=runif(10000,-2,2)
p=exp(lp)/(1+exp(lp))
hist(p,nclass=50,probability = TRUE)




pie(table(findInterval(p,c(0.2,0.8))),labels = c("Contra","Moderados","Independentista"))


PS1: os resultados não mudam se em vez de δ se considerar qualquer variante de δ.

PS2: Este texto:
- não pretende ser uma demostração rigorosa de nada, mas apenas proporcionar sugestões sobre a possível falácia de raciocínios aparentemente neutros.
- reflete o pensamento pessoal do autor.


* - Stefano Cabras é professor das Universidades de Cagliari (Itália) e Carlos III de Madrid (Espanha). O texto original pode ser acessado aqui.

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