terça-feira, 14 de novembro de 2017

Eleições sob suspeição

oglobo.globo.com

O processo democrático está vigente na maioria das instituições e governos no mundo de hoje. Seu principal pilar é a escolha de governantes máximos a partir de indicação através de voto feita por todos os membros associados à instituição. No caso de países, os associados são os os eleitores, cidadãos do pais regularmente autorizados pela lei vigente. No caso de instituições como clubes, os associados são os sócios regularmente registrados de acordo com o estatuto do clube. Nos países com regime presidencialista, o voto dos eleitores determina diretamente os vencedores do pleito. Em regimes parlamentaristas, o voto dos eleitores determina a composição do colegiado que elegerá o mandatário máximo da nação, o primeiro-ministro. 

Aconteceu na semana passada a eleição para a presidência do Clube de Regatas Vasco da Gama, um dos maiores clubes de futebol do país do futebol. O Vasco é um dos clubes com maior torcida no país muito por conta de sua história de importantes títulos conquistados. A eleição teve 3 candidatos: o atual presidente Eurico Miranda (que aparece na foto acima ao lado de uma urna no dia da votação), Julio Brant e Fernando Horta. Ela foi realizada no dia 07/11 e os resultados das 7 urnas eleitorais foram obtidos aqui e estão tabulados abaixo

Urna
Eurico
Brant
Horta
Total
Percent
1
110
108
45
263
42%
2
408
517
215
1140
36%
3
313
225
31
569
55%
4
324
359
95
780
42%
5
356
381
43
784
45%
6
172
343
0
515
33%
Total*
1683
1933
429
4527
37%
7
428
42
4
474
90%
Total
2111
1975
433
5001
42%
[Total* se refere ao total sem a urna 7 e a última coluna fornece as percentagens de votos no Eurico.]

O que mais salta aos olhos na tabela são as contagens da urna 7, com uma porcentagem de votos substancialmente mais alta para Eurico Miranda que todas as outras urnas. Como se isso não bastasse, essa urna já havia sido questionada antes da eleição. Ela contém as pessoas que se tornaram sócios nos últimos 2 meses possíveis para isso, devido ao grande aumento de cadastramento de sócios nesse período em comparação com os períodos anteriores, além de haver questionamentos sobre a adequação desses sócios em termos de sua adimplência com as mensalidades e outros dados cadastrais. Em função disso, a justiça tinha decidido em carater liminar deixar esses sócios separados dos demais. 

Além das questões puramente judiciais, a Estatística pode ser muito útil para fornecer subsídiso para a avaliação da credibilidade do resultado obtido. Considerando os dados da tabela, vemos que a urna mais favorável ao candidato Eurico foi a urna 3 com 55% de votos para ele. Suponhamos então que a real proporção de eleitores que apoiam o Eurico é de 55%. Podemos verificar quão discrepante é o resultado da urna 7, considerando como parâmetro a urna que lhe foi mais favorável entre as outras.

Vamos então calcular qual seria a probabilidade que uma amostra aleatória de 474 eleitores escolhidos de forma totalmente casual entre os sócios do Vasco aptos a votar apontasse 424 ou mais votos a favor dele. Uma conta simples mostra que esperaríamos em média algo em torno de 260 votos favoráveis e que as chances de haver entre 210 e 310 votos a favor de Eurico (nesse cenário favorável) são de 99,9997%. Isso quer dizer que todos os resultado fora desse intervalo, inclusive valores como 424, tem juntos chances 0,0003% de acontecer, isto é, 1 única chance de acontecer a cada 32.370 eleições similares. O comando em R para essa conta é 

1/(1-(pbinom(305, 474, .55) - pbinom(215, 474, .55)))

Essa conta dá uma idéia do tamanho da discrepância do resultado da urna 7. Efetivamente, a probabilidade de obter um valor tão alto quanto 424 (ou ainda maior) de eleitores favoráveis a Eurico é essencialmente 0.  

Claro que pode se argumentar que a hipótese que as chances dos eleitores dessa urna apoiarem o Eurico seriam maiores que 0,55. E tudo parece indicar que foi isso que aconteceu. Restaria nesse caso, avaliar que fatores levariam os eleitores dessa urna de se comportar de forma tão mais discrepante que os eleitores da urna mais favorável ao atual presidente. Mas a conta acima indica quão improvável é o resultado obtido. Contas similares feitas por um ex-colega de departamento foram divulgadas na mídia.

O que aconteceria se assumissemos uma probabilidade muito maior, digamos 80% dos eleitores dessa urna serem favoráveis a Eurico?  Bom, nesse caso, esperaríamos em média algo em torno de 380 votos favoráveis e as chances dos obter-se na urna algo entre 340 e 420 votos seriam de 99,999%. Ou seja, resultados foram do intervalo, como foi o resultado obtido ocorreriam 1 única vez a cada 97.551 eleições! 

Outra tipo de conta que podemos fazer é através da abordagem Bayesiana. Assumindo uma distribuição a priori uniforme para a real proporção de apoiadores do presidente e considerando apenas os resultados da urna 3, poderíamos prever os resultados da urna 7 considerando que ele teve 474 votos válidos e que a proporção de apoio do presidente é a mesma entre os eleitores de ambas as urnas. Novamente as contas dão resultados muito parecidos e a predição obtida é que obteríamos entre 305 e 215 eleitores em Eurico com 99,8% de chances.

Note que esses resultados quantificam a discrepância da urna 7 com relação à urna 3, que foi a mais favorável a Eurico. Essa contas poderiam ser repetidas considerando todas as 6 urnas apuradas e validas mas isso só aumentaria a magnitude da discrepância, que já é suficientemente alta. Esses resultados provam que a urna 7 tem que ser anulada? Claro que não. Eles só apenas exibem e quantificam numericamente as evidências sobre a discrepância da questionada urna 7 com respeito ao restante das runas apuradas. Caberá ao decisor da análise, no caso o juiz que julgar a impugnação da urna, levando em conta a discrepância quantificada à luz das evidências fornecidas.  

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