terça-feira, 27 de março de 2018

XIV EBEB - parte II

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Conforme prometido aqui, gostaria de fazer algumas reflexões sobre o XIV EBEB que acaba de se encerrar. O evento teve 2 mini-cursos, 10 conferências, 4 mini-conferencias, 4 sessões de comunicações orais com 3 apresentações em cada uma delas e 2 sessões de apresentações em formato poster com cerca de 70 posters apresentados, ilustradas acima.

Mantendo a tradição dos EBEB's, o evento contou com um time de primeira linha de convidados internacionais que como sempre abrilhantam o evento e elevam o seu nível científico. Nesse sentido, gostaria de parabenizar as comissões organizadora e científica do encontro por preservar a alta qualidade científica das últimas edições do EBEB. Diferentemente de muitos outros encontros científicos nacionais da Estatística, boa parte dos conferencistas convidados aceita participar sem apoio financeiro para sua vinda. Isso é um eloquente atestado do prestígio que a comunidade Bayesiana brasileira goza no cenário internacional. 

O elevado nível científico do evento não se refletiu na participação do público que tinha sido esperada. Expressivas parcelas da comunidade Bayesiana nacional ficaram ausentes do evento e não pode usufruir dessa oportunidade ímpar de se atualizar. Esse comportamento se distribuiu homogeneamente entre professores e alunos de pós-graduação. Talvez tenham preferido ir a eventos locais de menor repercussão, talvez tenham sido desestimulados pela questão da segurança no Rio de Janeiro. Sinceramente não sei qual é o diagnóstico correto mas só sei que os que vieram tiveram uma ótima oportunidade de se conectar com o estado da arte do Bayesianismo. Isso só reforça a percepção de insularidade e falta de conexão com o mundo que muitos enxergam na comunidade estatística nacional. De qualquer forma, o público foi bastante razoável, como ilustra a foto abaixo.

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Para dar uma idéia do que foi visto pelo participantes, os 2 minicursos trataram de diferentes aspectos da questão computacional, tão relevante na estatística Bayesiana dos dias de hoje. Um dos cursos versou sobre as técnicas eficientes de aproximação que foram desenvolvida por Havard Rue e seu grupo de pesquisa e sobre o software INLA, que operacionaliza essas técnicas em análises de dados. Essas técnicas são aplicáveis apenas a um conjunto limitado de modelos com estrutura hierárquica, mas esses modelos tem sido muito utilizados em trabalho aplicado.          

O outro minicurso tratou de aspectos teóricos associados a desenvolvimento de técnicas adaptativas de MCMC. Essa adaptação é motivada pela necessidade dos usuários de especificar adequadamente as cadeias de Markov utilizadas. Essas cadeias tipicamente dependem de uma série de parâmetros de sintonização para funcionarem bem. Valores muito extremos acabam por redundar em cadeias pouco eficientes e a busca pela eficiência leva usuários a tentar vários valores até obter a eficiência desejada. A teoria apresentada no curso visa formalizar e dar sustentação teórica a procedimentos como esses e assim fornecer indicação de como fazer a adaptação.

Os conferencistas contemplaram um amplo espectro de temas e também um amplo espectro de nível de experiência. Em um extremo tivemos conferencistas muito experimentados como Malay Ghosh, especialista em questões de amostragem e modelos de regressão, e Sudipto Banerjee, especialista em estatística espacial. No extremo oposto, o EBEB XIV teve conferências de jovens e promissores pesquisadores como Veronika Rockova. Mesmo concentrando seu trabalho na área de seleção de variáveis, Veronika em poucos anos após seu doutoramento já logrou a publicação de 5 artigos no JASA, um periódico da elite da Estatística, como já dissemos aqui. Não foi surpresa ver ela escolhida para proferir uma palestra de destaque no encontro mundial do ISBA, que vai acontecer em julho deste ano. Na sua palestra para o EBEB, ela falou sobre a aplicação de técnicas de seleção de variáveis (spike-and-slab e lasso) em análise fatorial, onde também existe o interesse em selecionar as cargas dos fatores para facilitar a interpretação dos fatores.

As sessões orais apresentaram 12 trabalhos selecionados e que tiveram um perfil bastante eclético. Teve de apresentadores de todo tipo, desde alunos de mestrado até professores experientes. Achei interessante que, mesmo tendo pouco divulgação internacional, esta edição do EBEB seguiu a tradição de atrair pesquisadores do exterior mesmo sem eles terem sido convidados. Isso é um sinal muito vigoroso da vitalidade científica dos EBEB's.

O último dia do evento contou com 2 palestras e parece que a organização do EBEB reservou o melhor para o final. As palestras do Flavio Gonçalves e da Sylvia Fruewirth-Schnatter só confirmaram a qualidade científica de ambos. Flavio mostrou como técnicas de amostragem recentemente desenvolvidas (denominadas Monte Carlo retrospectivo) podem ser construídas para amostrar indiretamente em situações complexas onde não se sabe como simular diretamente nem com técnicas indiretas usuais, como métodos de rejeição e de reamostragem. Apesar de sua ainda pequena vivência científica, Flavio ilustrou de forma muito didática e bastante clara o uso de técnicas sofisticadas em uma série de problemas de dimensão infinita (como processos pontuais e processos de difusão) e deixou evidenciado porque muitos o consideram uma das maiores promessas da Estatística brasileira. 

A conferência de encerramento foi proferida em contraste por uma estatística muito experiente. O contraste fica apenas na experiência. A qualidade dos trabalhos apresentados pela Sylvia e pelo Flavio só confirma a identificação que fizemos acima desses 2 profissionais: a excelência. A palestra da Sylvia fez um passeio por seu trabalho na compreensão de modelos de misturas. Sylvia iniciou sua carreira trabalhando em inferência para modelos de séries temporais, onde produziu algumas contribuições fundamentais. Neste século, ela acrescentou a suas área de interesse o estudo de modelos baseados em misturas. Ela escreveu vários artigos importantes e um livro, premiado pela ISBA, nessa área.

Sua conferência fez uma apanhado dos avanços mais recentes na caracterização de modelos de mistura. Achei particularmente elegante a comparação que ela fez na sua conferência entre os modelos com números finito e infinito de componentes da mistura. Foi interessante ela mostrar algumas vantagens das misturas finitas, que tem menos glamour que as misturas infinitas, por serem estas baseadas em avanços científicos mais modernos. A moral é que o novo é fundamental para o avanço científico mas não é necessariamente o melhor.  
  
Finalizando, achei o evento bom, apesar da pouca experiência da comissão que o organizou. Uma pena ter tido participação da comunidade Bayesiana brasileira aquém do esperado. Quem foi ao evento deve ter saído com uma boa impressão e cheio de idéias novas. Que venha o XV EBEB em 2020!

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