terça-feira, 28 de janeiro de 2020

As estatísticas da Estatística no CNPq

Orçamento CNPq (Fonte: CNPq)

As principais fontes federais de apoio à pesquisa no país são a CAPES e pelo CNPq. Pela natureza dessas instituições, a primeira é mais voltada a programas de pós-graduação e a segunda a pesquisadores e grupos de pesquisa. Essas instituições fazem rotineiras avaliações para orientar os rumos da pesquisa acadêmica nacional. 

As avaliações mais importantes que essas instituições fazem são as avaliações dos programas de pós-graduação pela CAPES (com conceitos indo de 1 a 7) e da produtividade da pesquisa pelo CNPq (com níveis 1A, 1B, 1C, 1D, 2 e Senior). Essas avaliações são feitas essencialmente pelos pares, ou seja, por grupos de pesquisadores escolhidos para essa tarefa e depois chanceladas os eventualmente revisadas por órgãos superiores desses órgãos. Esse sistema foi sendo modificado e revisado ao longo de décadas e hoje são revestidos de um alto nível de respeitabilidade pela comunidade científica nacional. Como consequência, essas classificações impactam diretamente programas de PG e pesquisadores pois se refletem na verba alocada aos diferentes projetos/grupos.

Tão importante quanto a verba alocada é o prestígio emprestado a esses grupos/pesquisadores pelos níveis e conceitos a eles concedidos. Ser bolsista de pesquisa do CNPq tem importância comparável à do nível na carreira docente, tanto que essas informações frequentemente aparecem lado a lado na apresentação que pesquisadores afiliados a instituições nacionais fazem de si mesmos. Muitos sustentam que essa bolsa (tanto pelo reconhecimento quanto pelo valor) tem um componente fundamental na preservação de pesquisadores produtivos no país. Assim, a divulgação de resultados dessas avaliações é sempre aguardada com muita ansiedade por todos os envolvidos.

A divulgação desses resultados ocorre anualmente ao longo do mês de janeiro e acaba de sair o resultado de 2020. As bolsas de Estatística são concedidas na sub-área de Probabilidade e Estatística e são avaliadas pelo Comitê Assessor de Matemática/Probabilidade e Estatística (CA-MA). Sendo assim, são avaliadas por um grupo de pesquisadores de Matemática, Matemática Aplicada, Probabilidade e Estatística. Nesse comitê sempre existe uma predominância de matemáticos, refletindo os tamanho da Matemática e da Estatística. Nos últimos tempos, cerca de 84% das bolsas de pesquisa desse comitê são alocadas a pesquisadores de Matemática, dando uma proporção de 5:1 entre as 2 áreas.

Todo esse sistema vem funcionado há décadas e me parece que a convivência entre as 2 sub-áreas tem sido aceitável. Mas o resultado deste ano foi muito ruim para Probabilidade e Estatística. A Profa. Glaura Franco, chefe do Departamento de Estatística da UFMG, fez um detalhado levantamento desses dados do CNPq. A área de Probabilidade e Estatística teve 21 dessas bolsas terminando no início de 2020 e apenas 5 (24%) foram alocadas a pesquisadores dessa área; todas foram renovações (nenhum novo pesquisador foi agraciado). Já era de se esperar uma certa diminuição no total de bolsas devido aos sucessivos cortes no orçamento de Ciência e Tecnologia. A série histórica do orçamento do CNPq vem apresentando sucessivas quedas nos últimos anos, como ilustra a figura acima. O que surpreendeu foi o tamanho do corte para Probabilidade e Estatística.

A título de comparação, citamos aqui o resultado do CA-MA para a área de Matemática, ainda usando os dados levantados pela profa. Glaura. Essa área teve 107 bolsas terminando no início de 2020, confirmando a proporção de 5:1 entre as áreas (afinal, 107/21 ~ 5). O número de renovações de bolsas já vigentes foi de 37 bolsas, dando uma taxa de 35%, superior à taxa da Estatística. Entretanto, diferentemente da Estatística, houve 28 bolsas alocadas a novos pesquisadores, perfazendo um total de 65 bolsas preservadas para a área. Ou seja, houve perda como na Estatística mas a taxa de preservação de bolsas foi maior que o dobro da taxa da Estatística (61% > 48% = 2 x 24%).

Se houve algum resultado excepcional, não foi da Matemática. A taxa de preservação de bolsas da Matemática foi similar à de áreas próximas, como Engenharia de Produção e Computação. Na 1a delas, de um total de 49 bolsas terminando no início de 2020, 24 bolsas foram renovadas e 7 novos pesquisadores foram contemplados, com taxa de renovação de 49% e de preservação de 63% (= (24+7)/49). Na Computação, o total de bolsas terminando no início de 2020 foi 83, sendo 34 bolsas foram renovadas e 9 novos pesquisadores foram contemplados, com taxa de renovação de 41% e de preservação de 52% (= (34+9)/83). Esses números estão tabelados abaixo para facilitar comparações

Tabela 1. Dados relativos à alocação de bolsas de pesquisa para 2020

Área do conhecimento
Percentagem de preservação
Percentagem de bolsas renovadas
Percentagem de bolsistas novos
Matemática
61%
35%
26%
Computação
52%
41%
11%
Engenharia de Produção
63%
49%
14%
Probabilidade e Estatística
24%
24%
0%
CA-MA equânime
55%
40%
15%
Fonte: base de dados do CNPq, com estatísticas levantadas pela Prof. Glaura Franco.

Fica fácil ver da tabela que as taxas de preservação das 3 primeiras áreas giraram em valores um pouco acima de 50%, em um marcado contraste com os 24% de Probabilidade e Estatística e que as 3 primeiras áreas lograram incluir novos bolsistas, diferentemente da Probabilidade e Estatística onde não houve nenhum novo pesquisador inserido no sistema. Claramente, aconteceu algum evento excepcional com essa área!

Por melhor que possa ser a pesquisa em Matemática, Produção ou Computação em relação à Probabilidade e Estatística, nada sugere uma melhora tão substancial das primeiras áreas com relação à última em tão pouco tempo, tornando difícil entender os motivos para tal mudança nessa relação. Além disso, das 5 bolsas renovadas na Probabilidade e Estatística, apenas 1 foi de Estatística (com uma taxa de renovação de apenas 9%) ao passo que a Probabilidade teve 4 renovações (com taxa de renovação de 40%, um pouco inferior à Matemática). Assim, os resultados da Estatística foram ainda piores que os resultados já ruins da Probabilidade, que é mais próxima da Matemática.

Tão expressivo desnivelamento entre as 2 áreas do CA-MA seria evitado caso as taxas de preservação de bolsas das 2 áreas fossem trazidas para valores mais próximos. Uma ilustração dessa alocação mais equânime de recursos pelo CA-MA está representada na última linha da Tabela 1. Nela, as 70 bolsas preservadas poderiam ser alocadas na forma 59 para a Matemática e 11 para a Probabilidade e Estatística. Nessa alocação, haveria 55% de bolsas sendo preservadas, que continua superior à taxa de 52% da Computação, mas as taxas das 2 áreas deste comitê seriam trazidas para valores bastante próximos: os mesmos 55% para a Matemática e 52% para a Probabilidade e Estatística. O custo disso seria deslocar apenas 6 (das 58) bolsas preservadas da Matemática para a Probabilidade e Estatística.

Alguns membros da comunidade estatística estão alarmados com esses números e já estudam formas alternativas de encaminhar a discussão dessa relação com as agências de apoio à pesquisa. Muitos alegam que, em muitos países desenvolvidos cientificamente, as áreas de Matemática e Estatística são entendidas como diferenciadas, tendo comitês de avaliação (e, consequentemente, orçamentos) separados. Além disso, a emergência da Ciência dos Dados, já aludida aqui, vem introduzindo novos desafios (oportunidades e preocupações) para a comunidade científica de Estatística. 

De todo modo, o ano se inicia com perspectivas preocupantes para a Estatística. Se essa tendência for mantida por mais alguns anos e se a manutenção de pesquisadores produtivos no país é de fato influenciada por essa bolsa, teremos em 2023 o total de cerca de 60 bolsistas de Estatística em 2019 reduzido a menos de uma dezena de estatísticos bolsistas! Uma consequência inexorável será a evasão do país das mentes mais brilhantes e promissoras da área. Igualmente nociva é a inexistência de renovação de novos pesquisadores, fundamental para a oxigenação da área. Cenário bastante sombrio que esperamos fique apenas na imaginação, com reversão desse cenário. 

As listas de bolsistas de pesquisa do CNPq em Probabilidade e Estatística, em Matemática, em Engenharia de Produção e em Computação podem ser obtidas clicando na respectiva área do conhecimento.

PS: após a publicação da postagem ontem, fui atualizado hoje pela Profa. Glaura dos novos números de bolsas alocadas. Essa atualização das listas do CNPq provavelmente se deve a aceitações do resultados pelos contemplados feitas entre ontem e agora. Esses números estão tabelados na tabela revisada abaixo.
Área do conhecimento
Percentagem de preservação
Percentagem de bolsas renovadas
Percentagem de bolsistas novos
Matemática
78%
47%
31%
Probabilidade e Estatística
29%
29%
0%
Pode-se constatar que a distância entre as 2 áreas do CA-MA ficou ainda maior. Além disso, o discreto aumento da Probabilidade e Estatística se deveu a uma bolsa confirmada para a Probabilidade e temos informação dos próprios pesquisadores de Estatística que suas bolsas não foram renovadas. Caso não aconteça alguma improvável entrada de novos bolsistas da Estatística, os novos números trazem uma discrepância ainda mais acentuada entre a Estatística e a Matemática. Ainda não houve tempo para fazer verificação similar nas outras áreas analisadas na postagem original mas acredito que esse sub-conjunto dos dados já traz uma mensagem bastante clara. 

4 comentários:

  1. Ainda tá em fase de recurso. Sei que pouca coisa ou nada vai mudar, mas fica uma pequena esperanca para os que como eu levaram mais um "o projeto tem mérito mas nao atingiu prioridades". É muito desanimador...

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  2. Como disse na postagem, a medida teve um efeito muito ruim para a Estatística no país.

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  3. Fiz as contas pra saude coletiva (a precisao das contagens nao é perfeita pois eu contei no dedo mesmo).

    Foram 65 bolsas terminando em 2020, 34 renovadas dando um percentual de renovacao de 34/65 ~ 52%, e foram 16 novas bolsas implicando numa taxa de preservacao de (34+16)/65 ~ 77%. Nao consegui olhar especificamente para a epidemiologia, que como na matemática, a área da saude coletiva tem suas subáreas.

    Temo pela ciência do país, mas em particular temo bastante pela estatística.

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  4. Obrigado, Leo. Taxa bem acima das taxas de preservação das áreas de Ciências Exatas mencionada na minha postagem.

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