terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A tragédia anunciada da região serrana

Fonte: https://infograficos.oglobo.globo.com/rio/tragedia-chuvas-em-petropolis-como-ocorreu.html?=123?utm_source=globo.com&utm_medium=oglobo

Todo verão dá início à temporada de chuvas fortes em boa parte do território nacional. Muitas dessas chuvas causam transtornos com os casos mais extremos causando perdas materiais e as vezes chegando infelizmente a perdas humanas. O que tem se tornado mais frequente nos últimos tempos é um aumento dos níveis das chuvas. Esse aumento vem sendo experimentado por todo o mundo, por conta das mudanças climáticas a qual nosso planeta vem sendo submetido. 

A figura abaixo, extraida daqui,  ilustra a consequência dessas mudanças no clima. Ela indica uma mudança expressiva com o aumento de chuvas fortes em todas as regiões dos Estados Unidos. Coincidência ou não, os aumentos mais expressivos são encontrados nas regiões mais densamente habitadas. No caso do Brasil, esse aumento no volume das chuvas não está sendo acompanhado suficientemente bem pelas medidas preventivas, ou ao menos mitigadoras, das suas possivelmente desastrosas consequências.

Fonte: https://medialibrary.climatecentral.org/extreme-weather-toolkits/heavy-rain-flooding

É dentro desse preocupante cenário que se insere o ocorrido na cidade de Petrópolis semana passada. Localizada na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis é situada sobre (e cercada de) morros, que lhe garantem um clima ameno no verão. Isso faz com que ela se torne destino (real ou desejado) de boa parte dos cariocas durante esse período, para fugir do clima inclemente a que são submetidos na capital do estado.  

Todo esse movimento em direção às cidades serranas gerou desenvolvimento econômico que não foi acompanhado na mesma velocidade por avanços na infra-estrutura. Isso causou também ocupação desordenada de terrenos, muitos deles em encostas de morros, onde várias famílias com menor poder aquisitivo estabeleceram suas residências em condições abaixo das ideais. Entre as consequências de ocupação desordenada temos proliferação de doenças e desestabilização de encostas.

No dia dos maiores deslizamentos houve o despejamento de fortes quantidades de chuva em um período muito pequeno de tempo na região sul da cidade, onde o relevo é ainda mais acidentado. Em um determinado bairro (Alto da Serra) dessa região, choveu cerca de 260mm em um período de 6 horas. Isso é muito, especialmente se contrastarmos com o nível esperado de chuva para todo o mês de fevereiro em Petrópolis, que é de cerca de 240mm. 

Assim, não há mais dúvidas que o nível de chuvas está aumentando no mundo e que medidas mais enérgicas precisam ser tomadas. Algumas cidades brasileiras estão construindo grandes bolsões subterrâneos, destinados a acumular grandes volumes de água para melhor administração de seu escoamento. A cidade do Rio de Janeiro foi uma das primeiras a avançar nessa direção com a construção de enormes piscinões, como são chamados. Um resultado visível foi a diminuição de enchentes em importantes regiões da cidade, notoriamente associadas a alagamentos.

Petrópolis também dispõe de alguns desses reservatórios, que estão conectados aos sistemas históricos de escoamento, construídos ao período do seu auge, quando servia de residência de verão à família imperial a cerca de 2 séculos atrás. Mas eles claramente foram insuficientes para o volume recebido na semana passada.

Apesar de toda essa volumosa quantidade de chuva, ela está muito longe de ser recorde mundial. Um site do governo australiano aponta o volume recorde de chuva para diferentes quantidades de tempo. Como exemplo, o recorde mundial para 6 horas de chuva é de 840mm, registrado na localidade de Muduocaidang, na China, em 1 de agosto de 1977. Como se pode ver, o recorde é muito superior ao volume observado em Petrópolis.

Outra informação importante diz respeito ao impacto com o qual esses níveis de chuvas se traduzem em perdas humanas ou materiais. A título de exemplo, podemos tomar uma das inúmeras chuvas intensas que rotineiramente afligem a Índia no período das monções. Em 19 de julho do ano passado, a cidade de Mumbai, centro financeiro da Índia, e uma de suas cidades mais densamente habitadas, recebeu uma chuva surpreendentemente alta, nos níveis e na duração da chuva recebida por Petrópolis. A chuva obviamente causou muitos estragos na cidade e poucas dezenas de vidas foram perdidas.

Mas Petrópolis, mesmo tendo uma pequena fração da população de Mumbai, teve chuva que já causou a morte de 2 centenas de pessoas e tem potencial para chegar a 3 centenas por conta do sombrio prognóstico para a maioria dos desaparecidos. É a maior tragédia da história da cidade! Por que isso aconteceu? Isto é, porque os resultados foram tão mais devastadores que, por exemplo, o de Mumbai?

A figura que abre essa postagem ajuda a explicar. Antes da forte chuva causar inúmeros deslizamentos de terra, a cidade vinha recebendo grandes volumes de chuva por vários dias seguidos. Toda essa água foi penetrando o solo, já desestabilizado por inúmeras intervenções. Essas intervenções foram feitas para abrir caminhos e construir casas, muitas delas forma feitas de forma irregular e sem o devido acompanhamento técnico. E, para piorar, se situavam em terreno de topografia inapropriada, com acentuados declives. 

Tudo isso culminou com deslizamentos de terra tendo enorme quantidade de material sólido, como árvores. À medida que adquiriam volume e encontravam construções em seu caminho, as derrubavam com facilidade e carreavam junto todo esse material das casas (muros, telhados, aparelhos domésticos, etc). Todo esse descomunal volume aumentou enormemente o poder de destruição dessa avalanche e inviabilizaram o correto funcionamento do sistema de escoamento pluvial, projetado para levar agua e não geladeiras, caixas d'água e telhados.

O resultado final foi um desenlace devastador para a cidade e seus habitantes enlutados. Mas ninguem pode dizer que foi surpreendido. A mesma região serrana passou por um evento igualmente devastador a pouco mais de uma década, quando quase mil mortos foram contabilizados em várias cidades da região. O enfrentamento sério dessa recorrência nefasta exigirá medidas duras e trabalho incessante com uso eficiente e criterioso dos parcos recursos disponíveis para esse fim, com legisladores pensando acima de tudo na coletividade e não em proveito próprio. 

Conseguiremos? Muitos como eu desejam que sim! Mas o retrospecto recente não está a nosso favor...   


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