terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Ocupação pré-colombiana da Amazonia e sua relação com a floresta

                                                                                            Fonte: figuras geradas pelo Dr. Guido Moreira


As últimas décadas testemunharam um expressivo aumento da importância que a Amazônia possui para toda a humanidade. Esse movimento fomentou estudos sobre vários aspectos culturais, sociológicos, econômicos e biológicos sobre essa imensa região da Terra. Entre esses estudos, podem ser destacados aqueles ligados à ArqueoEcologia. Essa é a área da Ecologia dedicada ao estudo da relação do homem com a natureza em eras passadas.

Muito antes da colonização européia das Américas, esse continente já era habitado por uma grande variedade de povos indígenas. Esses povos ocuparam parte da Amazônia. Alguns dos estudos arqueoecológicos recentes visam entender se esses povos interferiram na composição atual da floresta e, em caso positivo, de que forma isso se deu. Perguntas a serem respondidas incluem: essa ocupação modificou a composição da floresta? Se mudou, a que nível e intensidade e de que maneira?

Essas perguntas podem ser respondidas com o uso de técnicas específicas para análise desse tipo de dado, onde muitas ocorrências não puderam ser observadas. Esse tipo de dado, muito frequente em Ecologia é chamado de presence-only ou apenas-presenças. Postamos sobre o assunto aqui, cerca de 5 anos atrás. 

Naquele momento, nossa metodologia ainda estava em desenvolvimento. Passado todo esse tempo, a tese que desenvolveu o estudo foi aprovada, o artigo científico relatando os resultados foi aceito para publicação e um software para análise de dados presence-only foi disponibilizado gratuitamente. Com isso, se tornou possível tratar de todos os assuntos relacionados a análises desse tipo de dado de uma forma integrada e totalmente estruturada em um modelo unificado.

Essas idéias foram aplicadas para o estudo das presenças de geoglifos (grandes figuras feitas pelo homem no chão) e outros vestígios pré-colombianos na Amazonia. A imensidão de 7 milhôes de km^2 de área é um forte empecilho para o completo mapeamento desses vestígios. Além disso, existe uma série de outros impedimentos, como distância de estradas (e rios), para averiguações por terra (e aquáticas) e cobertura vegetal, para averiguação aérea ou por satélite.

Assim, seria impossível responder adequadamente as variadas perguntas acima pela estatística convencional. Nossa metodologia se encaixou como uma luva para fornecer respostas mais robustas a essas questões. Foi possível perceber que, embora só tenham sido encontrados pouco menos de 1000 geoglifos até agora, são esperados muito mais. Nossos estudos indicam ser altamente provável que existam pelo menos mais 10.000 geoglifos ainda ocultos, podendo esse número chegar até 25.000. Isso pode ser visto da figura acima contendo alguns de nossos resultados preliminares e também um mapa de calor da Amazonia para presença de geoglifos.

Foi também visto que a maior probabilidade de localização dos traços de civilizações passadas estão localizados no arco sul da floresta, por onde também passa a entrada atual da ocupação desse espaço pela população em geral. Mas também foi possível ver que geoglifos ocultos poderão ainda ser encontrados por outras partes da Amazônia, embora com chance menor.

Para gerar esses resultados, nosso modelo utilizou informação fornecida por várias outras variáveis ligadas a clima, solo, topografia dos locais. Algumas dessas variáveis foram usadas para explicar as presenças observadas e outras para explicar o filtro gerado pela observabilidade parcial. Em ambas as componentes, algumas variáveis se mostraram boas preditoras e outras não. 

Além disso, pudemos verificar o nível de associação entre a presença desses traços de ocupação com a existência atual de diferentes espécies vegetais. Isso poderia dar indícios sobre a possível influência humana na composição atual da floresta e quais as espécies mais domesticáveis, ou suscetíveis a essa utilização. Com esses achados sendo agregados a outros estudos, será possível entender como se deu a distribuição das espécies na floresta e quão relevante nessa distribuição foi/é a presença humana.

Esse estudo ainda está em fase final de redação para possível divulgação em periódico científico. Assim que essa etapa for concretizada, será possível divulgar mais detalhes sobre nossos achados. 

 

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