terça-feira, 10 de maio de 2022

Cotas nas universidades: um questão política?*

Recentemente participei da banca de um concurso para selecionar um professor universitário. Ao ser perguntado sobre as cotas nas universidades, um dos candidatos se recusou a responder, dizendo se tratar de uma questão política. Esse pequeno texto analisa o assunto sob a ótica científica onde acreditamos que ele deve ser tratado.

O princípio básico que tem regido a entrada nas universidades brasileiras é a demonstração de proficiência ou habilidade no assunto pelo candidato. Inicialmente usando as notas obtidas pelo aluno na prova de seleção, o processo foi aprimorado através do ENEM, com o uso de técnicas consagradas mundialmente. Essas técnicas são encontradas na Estatística/Educação, na área conhecida como Teoria de Resposta ao Item (TRI).

Essa teoria assume que as questões das provas de seleção funcionam da mesma forma para todos os alunos. Isso pode ser inadequado em um país com diferenças no plano educacional. Para tornar a competição por uma vaga no ensino superior mais justa, optou-se por conceder as vagas através de separação em sub-grupos (alunos de escolas públicas, minorias sociais, etc) com as cotas para cada grupo sendo pré-definidas. 

O que a TRI faz é ensinar como extrair medições da proficiência, levando em consideração o tipo de questões às quais os alunos foram expostos na prova de seleção. Os detalhes sobre como isso é feito são explicados para o público leigo através de várias postagens do blog StatPop (www.statpop.com.br). 

Um dos inúmeros avanços da TRI é a área conhecida como funcionamento diferencial do item (FDI). Essa é a área da TRI onde se assume que o item não funciona da mesma forma para todos os alunos. Alunos que não foram expostos a um conteúdo não podem ter proficiência nele por mera falta de conhecimento e não por algum indicador inato seu. A possível recuperação desse conteúdo pelo aluno talvez pudesse evidencia-lo como mais proficiente que outro aluno que teve mais pontos no ENEM só porque foi exposto a esse conteúdo na sua escola de ensino médio. 

Os professores Tufi Soares (Universidade Federal de Juiz de Fora), Flavio Gonçalves (Universidade Federal de Minas Gerais) e eu nos debruçamos sobre esse tema alguns anos atrás. Em uma série de trabalhos, incluindo uma dissertação de mestrado premiada, mostramos como a TRI com o FDI poderia ser aplicada para calcular as proficiências em exames a níveis nacionais, como o ENEM. 

Assim, é possível recuperar as verdadeiras proficiências dos alunos. E esse cálculo precisa levar em conta as diferentes deficiências de formação de cada aluno. Mas não há almoço grátis; sua implementação exige mais esforço operacional de processamento e também das universidades no sentido de repor as deficiências acumuladas.

O ganho é possibilitar que os alunos mais habilitados recebam notas melhores. E isso pode ser feito sem ingerência política; apenas tomando como base a premissa de aprovar os alunos mais capazes, independente das possíveis deficiências na sua formação. A Ciência cuida do resto.

* - Texto publicado em 09 de maio de 2022 no blog de Ciência & Matemática do jornal O Globo 

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