Fonte: https://science.altmetric.com/details/155161208
A parte II dessa sequência de postagens antecipou a informação sobre a aceitação para publicação na Science de nosso trabalho mutidisciplinar sobre a ocupação da Amazônia. Finalmente, no início deste mês nosso trabalho foi publicado com o título ligeiramente modificado para More than 10,000 Pre-Columbian earthworks are still hidden throughout Amazonia. Essa publicação em um periódico de alto impacto levou a uma série de outros impactos, que chamaram a minha atenção. Embora esta postagem seja dedicada a destacar os aspectos de relevância associados a essa classe de publicações, preferi que ela fosse ser intitulada como parte III, para manter a ligação com as partes anteriores.
Usualmente as publicações científicas tem sua relevância genericamente associada ao número de citações que ela recebe. Essa medida está longe de ser indiscutível. Como exemplo extremo, uma publicação pode ter uma enormidade de citações apenas para falar de defeitos e erros que ela possa ter. O espectro mais usual de imperfeições está o fato que a mera contagem de citações não é um forte indicador de sua relevância. De fato, publicações em periódicos de menor relevância podem angariar várias citações grandemente concentradas em periódicos de baixa relevância.
De todo modo, o número de citações de um artigo pode levar muito tempo para ser consolidado. Assim, para simplificar avaliações bibliométricas mais recentes, costuma-se medir o impacto de uma publicação pela avaliação do impacto do periódico onde ela foi depositada. O argumento é que em média periódicos tendem a publicar artigos da sua faixa de relevância ou impacto. Foi então criado e vem sendo utilizado nesse tipo de avaliação o chamado fator de impacto de um periódico. Um dos principais é o JCR, abreviação de Journal Citation Report, compilado pela empresa Clarivate.
Esse fator é atualmente calculado para mais de 20 mil periódicos das mais diversas áreas do saber e mede quantas citações os artigos publicados em um periódico científico em uma determinada janela de tempo (exemplo: 1, 2 ou 5 anos) receberam numa janela similar após sua publicação. Como se pode ver, existe muita variação possível dentro do espectro de tempo usualmente considerado. De todo modo, a ordenação dos periódicos em geral não sofre muita flutuação.
De uma lista recente que está disponível on-line pode ser verificado o fator de impacto de cerca de 9.500 periódicos científicos. Lá pode se verificar o fator de impacto de vários periódicos de Estatística. Em particular, o fator mais alto foi 5,8 obtido para o Journal of the Royal Statistical Society Series B. Esse periódico faz parte de qualquer lista de periódicos de elite da Estatística, como já apontado aqui anteriormente. Essa é a melhor taxa de citação que se obtem na Estatística.
Pois bem, o fator de impacto da Science é 56,9, quase 10 vezes maior. Não chega a surpreender que essa marca obtida pela Science a colocou no 22o lugar dentre todos os quase 10 mil periódicos considerados. Dentre as outras 22 mais citadas, apenas a Nature (em 18o lugar com fator de 64,8) é um periódico multidisciplinar, que cobre um amplo espectro de áreas do saber. [O restante é de periódicos específicos de Medicina e áreas próximas como Biologia Molecular, com liderança para um periódico sobre Cancer.]
Mas o impacto de periódicos no topo da lista vai muito além de refletir apenas o impacto científico imediato, o que já seria um importante indicador. Ciente do impacto que possui na sociedade, a Science possui um sistema que armazena por conta própria o impacto que suas publicações tem nas mais diferentes midias acessadas pela sociedade. Contagens de menções a cada artigo na imprensa mundial, nos blogs, no X (antigo Twitter), no Reddit, e em videos disponibilizados on-line, bem como seus respectivos geo-referenciamentos são atualizados constantemente.
O caso de nosso artigo serve para ilustrar esse ponto, como destacado na figura que abre esta postagem. Apesar de ter sido publicado a menos de 1 mês, sua publicação já gerou conteúdo para dezenas de artigos jornalísticos e centenas de postagens diretas sobre o artigo no X bem como citações em blogs e nas outras mídias supracitadas, ao redor do mundo. Esses números preliminares (acessáveis aqui) superam em ordens de magnitude o impacto direto na sociedade que qualquer outro artigo de Estatística possa ter tido ou possa vir a ter.
A pergunta que se impõe é: porque esse artigo foi aceito para publicação e vem recebendo tanta atenção? A minha explicação a seguir virá com claro e assumido viés estatístico. É inegável a importância da Amazônia para o mundo. Decorre que a história da Amazônia também atrai a atenção de muita gente. Perguntas sobre como foi constituída a floresta e o nível de isolamento que ela teve ao longo da história adquirem muita relevância. Especialmente nos dias de hoje, onde o nível de interferência humana vem crescendo.
Assim, estudos que mostram que a Amazônia foi frequentada e usada por civilizações anteriores ajudam a entender os possíveis rumos que essa região do mundo e principalmente sua floresta possam vir a ter. Nosso trabalho forneceu uma quantificação para essa intervenção. Essa quantificação tem permitido que as pessoas façam extrapolações baseadas nos números que ela fornece. Os números de intervenções humanas no terreno amazônico ainda não encontradas que são favorecidos em nossa análise são 10 a 25 dezenas de vezes maiores que o número de intervenções na terra que já foram descobertas.
Muitos estudiosos já vinham especulando sobre a validade da hipótese ainda reinante de que a Amazônia era um vasto território intocado até então. Os resultados de nossa análise reforçam a tese de uma maior interferência humana do que muitos imaginavam, baseados nas escassas contagens de intervenções na terra até agora reportadas. As extrapolações a partir dai são as mais variadas. Já li até textos sugerindo que nossas análises poderiam contribuir para a discussão bastante atual sobre o direito a essas terras pelas populações originárias da região (aqui vai um exemplo).
Claro que tudo isso nos enche de orgulho por trazer mais luz e informação para a sociedade sobre questões tão importantes para a compreensão de uma região do globo tão influente nos dias de hoje. Mas também traz um senso de responsabilidade muito grande sobre o impacto (agora no sentido mais amplo possível) do que estudamos, modelamos, predizemos e reportamos possa ter sobre os rumos da compreensão sobre essa região.
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