terça-feira, 5 de setembro de 2023

Ocupação pré-colombiana da Amazonia e sua relação com a floresta - parte II

Fonte: Over 10,000 Pre-Columbian earthworks are still hidden throughout Amazonia

Faz mais de um ano que postei aqui aquela que se tornou a parte I de uma história que está tendo uma evolução muito promissora. Esta postagem de hoje é para relatar com muita felicidade que o nosso artigo Over 10,000 Pre-Columbian earthworks are still hidden throughout Amazonia foi aceito para publicação no prestigioso periódico Science. Junto com o periódico Nature, elas formam a dupla de elite na divulgação do que de melhor está sendo feito na Ciência ao redor do mundo.

Existem alguns pontos que merecem ser destacados nesse episódio. Gostaria de elencar alguns deles. Antes de tudo, esse acontecimento me despertou para voltar a postar aqui no StatPop! Existem outros pontos mais sérios para uma reflexão menos auto-centrada.

Esse artigo foi fruto de trabalho árduo realizado por vários estudiosos das mais diferentes áreas da Ciência e das mais diversas partes do mundo, visando uma compreensão mais ampla da Amazônia. Boa parte desse esforço foi devotado a levantamento e catalogação de dados sobre essa importante região do planeta. Esse esforço foi fundamental para nós, por exemplo, por fornecer os dados que possibilitaram o nosso trabalho. Muitos profissionais de Estatística, especialmente os da academia, não valorizam suficientemente o esforço desses grupos de pessoas. Sem eles, nossa análise teria sido impossível!

Um desses trabalho de compilação de dados é o AmazonArch. Esse esforço especificamente é mais voltado para dados arqueológicos, que foram a base de nosso trabalho. Além disso, para correta caracterização da possível influência de fatores no processo de ocupação da Amazônia, é fundamental ter os dados de variáveis de interesse com o maior nível possível de resolução espacial. Para ser ter uma idéia da ordem de grandeza, são necessárias em torno de 7 milhões de medições de cada variável se pensarmos em uma resolução de 1 km2. Esse é um esforço que envolve pesquisadores de diferentes áreas tais como Meteorologia, Ecologia, Botânica, Zoologia, Geologia, Geografia, Sensoriamento Remoto, para citar algumas das principais. Essa tarefa não é trivial e precisa de muita dedicação de todas as partes envolvidas para poder funcionar a contento.

Nosso estudo foi voltado para compreender o que faz com que certos locais tenham sido escolhidos por povos antepassados para fixar suas atividades. O mais óbvio é procurar relacionar esses locais preferenciais a aspectos ligados às áreas da Ciência listadas acima. Exemplos incluem características do solo (como salinidade), do terreno (como altitude e declive), climáticas (como chuva e umidade), da ocupação animal (como deposição de dejetos) e vegetal (como cobertura) e da geografia (como malha hidrográfica). Todas essas características devem em princípio ser consideradas e possivelmente possuirão relação com a ocorrência de vestígios civilizatórios.

Outro ponto de satisfação é saber que todas as análises que esses pesquisadores precisavam realizar com os dados que eles próprios coletaram poderiam ser realizadas sob a ótica da Estatística, usando os dados como matéria prima e produzindo resultados com a correspondente margem de incerteza a respeito deles. A chave para isso é a utilização de modelos estatísticos e operacionalizar a inferência para esses modelos. Estar dentro da área que responde aos desejos de outros pesquisadores e quantifica os resultados que esses últimos tanto necessitam de forma que eles possam tirar conclusões é particularmente gratificante.

Como acadêmico, é bom ver que tudo isso pode ser materializado através de um trabalho de doutorado realizado dentro do Programa de Pós-Graduação em Estatística da UFRJ, do qual faço parte. Todo cientista trabalha de forma muitas vezes isolada do resto do mundo mas paradoxalmente faz isso se afastando desse mundo para o qual ele almeja contribuir. Ter tido a oportunidade de fornecer para a sociedade explicações sobre questões de interesse para a humanidade compreender sua própria história e do ambiente que a circunscreve foi uma agradável sensação de dever cumprido.

Fazer tudo isso ao mesmo tempo que um aluno estava sendo formado também foi muito bom. Hoje, o aluno já se formou e está (bem) empregado em uma instituição no exterior. Além de ter feito as análises necessárias, ele produziu um pacote no R: bayesPO. Esse pacote está gratuitamente disponibilizado na internet através do link acima e permite que pesquisadores ao redor do mundo que tenham necessidade de análises similares possam realiza-las com um mínimo de conhecimento estatístico.

A última cereja do bolo para mim foi o fato de todos os autores terem concordado com o título do artigo fazer menção explícita a um resultado direto de nossa análise estatística. Ele fala de uma característica da distribuição preditiva das ocorrências ainda não observadas (ver figura acima). Essa distribuição só é obtida de forma direta através de nossa metodologia. Esse reconhecimento pela extensa comunidade de colaboradores científicos do artigo só reafirma a centralidade da Estatística para um assunto científico de alta relevância para tantas outras áreas da Ciência.

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