terça-feira, 1 de abril de 2014

Como elaborar pesquisas sociais?



Na semana passada, uma pesquisa do IPEA sobre comportamento social foi divulgada e recebeu grande repercussão na mídia devido aos resultados obtidos em alguns ítens do seu questionário. Chamou especial atenção o ítem que pedia posicionamento de entrevistados quanto à frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". O que mais chamou a atenção foi o fato de 58,5% dos entrevistados terem concordado integral ou parcialmente com a frase. 

Várias etapas de processos de levantamento de informações como esses envolvem diretamente o uso de Estatística. Essas etapas são delineamento do experimento, elaboração do plano amostral e finalmente análise estatística dos resultados com o imprescindível cálculo de intervalos de confiança (ou credibilidade).

Mas também acredito que existem outras etapas onde é preferível que os estatísticos não interfiram. Entre essas etapas, a mais obviamente avessa ao estatístico é a elaboração do questionário. Não faz parte da caixa de ferramentas do estatístico saber exprimir sentimentos e pensamentos de forma escrita mas apenas projetar a melhor forma de coletar os dados e de analisar os resultados provenientes de tais estudos. Profissionais da área social são muito mais treinados para tarefas desta natureza.

Contrariando o que eu disse acima, gostaria de me meter no ítem que não nos cabe: a forma como foram elaboradas as frases propostas aos entrevistados. Chamou-me a atenção a forma pouco precisa que foi construída a frase. Não sei o que significa de fato "saber se comportar" e desconfio que cada pessoa da nossa sociedade tenha uma visão diferente do que isso significa. E acho que essa diferença pode ser dramática. Isso pode ter grande influência no resultado. Outra frase do questionário fazia menção a mulheres "merecerem ser atacadas". Novamente essa expressão pode ser entendida desde ataques por reprimendas verbais até ataques físicos graves. Sendo assim será que poderíamos considerar que a população brasileira é conservadora quanto ao comportamento sexual dado que a maioria apoiou a frase acima?

Reações dos entrevistados a algumas das outras frases propostas parecem deixar dúvidas. Como exemplos, podem ser citadas as frases:
  1. "Homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia", que tem um sentido inequívoco e teve concordância de mais de 90% dos entrevistados;
  2. "A mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade", que tem um sentido inequívoco e teve discordância de mais de 65% dos entrevistados.
Em suma, acho que perguntas de questionários sociais devem ser o mais diretas possível e o menos abertas à interpretação quanto possível para evitar dúvidas sobre a informação que elas se propõe a fornecer. Além disso, elas devem ser redigidas da forma mais imparcial possível para não predispor os entrevistados a concordar ou discordar delas por influencia da redação. Todo bom redator de questionários sabe disso mas nem sempre usa esse seu conhecimento da melhor forma possível. Uma visão similar à exposta nesta postagem mas apresentada de forma mais contundente foi postada neste blog.




Um comentário:

  1. Acho super relevante o questionamento sobre a elaboração do questionário (com o perdão da redundância) nessa pesquisa do Ipea, principalmente pela repercussão que teve. Acho que a repercussão mostrou que a sociedade não aceita a ideia de que existe culpa da mulher por ataques físicos dos homens. Acho perfeitamente plausível que essa ideia não deva corresponder, na população, aos mais de 50% que concordaram com a afirmação de que "se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros", dados os 90% que concordou com a frase "Homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia". Excelente argumento. Parabéns pela postagem. Uma das minhas preferidas.

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