Copa do Mundo - parte VI (epílogo)

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Eu tinha me comprometido a não voltar a falar de Copa do Mundo aqui no blog. Afinal, tudo já tinha sido dito. Mas a excentricidade do resultado do jogo Brasil x Alemanha impõe o retorno a esse assunto. Cabe lembrar que esse foi o pior resultado de toda a história de 100 anos da mais vitoriosa seleção do mundo! E desconfio que tenha sido o pior resultado jamais obtido por qualquer uma das seleções da elite do futebol mundial.

Qualquer pessoa que estivesse presente, como eu, no Mineirão naquele jogo histórico e entendesse um pouco de futebol, veria após o 1o gol alemão que a distribuição dos 11 jogadores de cada equipe em campo permitia antever um resultado positivo para a Alemanha.  A foto acima do alemão Toni Kroos vencendo uma disputa de bola com Maicon reflete bem o que se viu em campo: preenchimento do espaço sempre superior por parte da Alemanha e consequente supremacia em todas as disputas no campo. Não estava ainda claro o tamanho da diferença mas ela era óbvia. [Alguns torcedores mais exaltados atribuíram essa diferença à camisa usada pela Alemanha mas acredito que a mais correta explicação é puramente técnica.] A magia do futebol está na possibilidade de milagres mas eles são as raridades que confirmam a regra. Em geral, vence quem está melhor. E não foi diferente nesse jogo.

Também estava claro que a Alemanha estava jogando melhor antes e durante a competição e tinha um ligeiro favoritismo, apesar de jogar contra o time da casa. [No bolão que participei, cravei Alemanha x Argentina na final com Alemanha campeã e vitória da Alemanha sobre o Brasil na semifinal, por conta dos históricos das equipes. Acabei ficando em 2o lugar dentre 45 participantes. Não há nada melhor que usar os dados disponíveis e a Estatística a nosso favor.] Fiquei surpreso em ver que o respeitado blog do Nate Silver atribuiu 65% de chances de classificação para o Brasil. Será que as ratings do modelo dele também foram contaminadas pela histeria motivacional que tomou conta do Brasil e tanto frustou a população na semana passada? Acho que essas ratings não levam em conta a dinâmica do futebol e assim acabam sendo erroneamente precisas. E essa deficiência está presente em muitos outros sistemas de previsão de futebol, como já destaquei aqui neste blog.

Os dados que usei para minha análise qualitativa incluíram derrotas também na semifinal das outras 2 potências do futebol (Alemanha e Itália) nas últimas Copas do Mundo sediadas em seus países. A fase semifinal é o momento em que equipes efetivamente candidatas ao título se enfrentam, diferentemente das 4as de finais, onde equipes boas se enfrentam. Fator campo tem seu peso diminuído para partidas entre reais candidatos ao título. Essa tendência não é desprezível, nem deveria ter sido desprezada. Além disso, a pressão por resultados antecipados no Brasil como positivos (de forma irreal) acaba por gerar uma pressão prestes a estourar no país anfitrião. A panela de 2014 quase transbordou quando o chute do Pinilla estourou no travessão no jogo contra o Chile. O descontrole incomum de jogadores com experiência internacional ao final desse jogo era um claro sinal. Mas já era tarde demais; não havia psicóloga que pudesse dar jeito em tão curto tempo. 

E os discursos de muitos, mesmo após as evidências desses jogos, não aliviaram em nada a pressão. Pelo contrário, muitos ainda insistem na tese do apagão de 6 minutos! Para quem não foi ao jogo, vale esclarecer que o "apagão" durou 80 minutos: toda vez que o time alemão recuperava a posse da bola antevia-se no estádio um enorme perigo de gol, mesmo no 2o tempo com eles claramente se poupando. Ou seja, não houve apagão nenhum. O que ocorreu foi uma supremacia absoluta de um time sobre outro que, se não foi brilhante ao longo da Copa, está muito longe de ser ruim. Enfim, existe um problema estrutural grave na seleção brasileira e a derrota por inéditos 7 x 1 deveria ser evidência forte suficiente para que todos percebessem isso. Mesmo após a outra derrota contundente, perante a Holanda, ainda há gente que negue a existência desse problema.

Esse não parece ser o caso e a Estatística tem sido usada e abusada no apoio a todo tipo de argumentação equivocada. No sábado passado, Felipão foi flagrado falando das 4 chances que o Brasil perdeu no início do 2o tempo que poderiam ter deixado o jogo aberto, com 5 x 4 aos 10 minutos do 2o tempo e mais 35 minutos por jogar. Ainda nessa linha, a FIFA divulgou em seu site que o Brasil teve 55 chances de gol contra apenas 34 da Alemanha. Além disso, o Brasil teve mais posse de bola (52% x 48%). Um estatístico grego também amante do futebol me escreveu falando da injustiça do resultado do jogo Costa Rica x Grécia em função de estatísticas similares daquele jogo. Essas estatísticas tomadas isoladamente podem dar uma impressão completamente falsa de efetivo domínio de uma partida. 

A profusão de estatísticas disponíveis sobre cada jogo, tratada na postagem da semana passada, gera também um monte de informação de relevância duvidosa. Posse de bola e número de chutes costumam ser usados como indicadores de domínio da partida. Nada poderia ser mais enganoso; nessa edição da Copa houve 28 vitórias e 25 derrotas de seleções com maior posse de bola. Tanto Alemanha quanto Costa Rica (enquanto teve 10 jogadores em campo) dominaram seus jogos contra Brasil e Grécia, respectivamente, e mereceram vencer.

De todo modo, o 7 x 1 é um claro exemplo de um evento extremo. Existe uma importante área da Estatística que trata desse tipo de fenômeno, que tem reflexos fundamentais em projetos de barragens de reservatórios, de sistemas de contingência para tempestades e de políticas de seguros. Esse tema ainda será objeto de postagem futura. Mas antecipo que ela trata de como calcular a probabilidade de (e não de como predizer a) ocorrência de anomalias como a da semana passada.

Espero que a cúpula do futebol brasileiro acorde o mais rápido possível da letargia demonstrada no tratamento do ocorrido e perceba que algo grave poderia acontecer e acabou por acontecer da forma mais dramática possível há uma semana no mesmo Mineirão do jogo com o Chile. Ainda há tempo mas a o futebol brasileiro precisa se modernizar. Especialistas do mundo todo já vêm identificado esse anacronismo há algum tempo. Essa modernização também passa por tratar os dados adequadamente e se ancorar em crenças que se baseiem em evidências trazida pela realidade.