terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Culpado até provar inocência

Dr. Anthony Costello (www.reuters.com)

Um dos assuntos de maior destaque nesse inicio de ano é a epidemia de zika virus que se anuncia para este ano. Esse fenômeno está especialmente concentrado nas Américas, onde está o mosquito Aedes aegipty transmissor do virus, mas tem potencial de se espalhar por todo o mundo. Essa epidemia tem assim chamado a atenção de organismos internacionais ligados à saude como a Organização Mundial de Saude (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU).

A OMS tem assumido um papel de destaque na organização do combate ao vírus e seus possíveis efeitos nefastos. Existe razoável evidência sobre a presença do virus associada à ocorrência de diversas doenças graves como a microcefalia mas essa relação de causa e efeito ainda não foi estabelecida de forma definitiva e irrefutável. A postura usual perante situações dessa natureza é de aguardar a comprovação do fato antes de atuar como se ele fosse verdade. Isso vale por exemplo para introdução de um novo tratamento onde extensivos testes são realizados para comprovar cientificamente que esse tratamento possui um efeito benéfico antes de liberá-lo para uso pela população.

Nesse sentido, chamou atenção a frase que serve de título para esta postagem proferida pelo Dr. Anthony Costello, pediatra chede da OMS. Ela marca um afastamento do padrão de cautela comumente adotado pela comunidade científica e aponta para a necessidade de uma mudança de padrão. Seu pronunciamento já havia sido precedido dias antes pela fala de outros diretores da OMS que preferiam ser acusados de assumir erroneamente uma relação de causa e efeito entre zika e microcefalia que ser acusados de terem esperado tempo demais pela comprovação científica à custa de muitas mortes.

Essa mudança de padrão da OMS pode também ser vista sob a luz da Estatística no contexto de testes de hipóteses. Para validar a eficácia de um tratamento, testa-se a hipótese nula de não haver efeito contra a hipótese alternativa de que o tratamento possui efeito. Os 2 erros envolvidos são: erro tipo I de assumir erroneamente que há efeito e erro tipo II de assumir erroneamente que não há efeito. Não há como controlar os 2 tipos de erro simultaneamente; estes que controlam a probabilidade de erro do tipo I fatalmente induzem a uma maior chance de erro tipo II e vice versa.  Em nome de uma maior isenção científica, adota-se como padrão o controle da probabilidade do erro do tipo I. Somente após haver evidência suficientemente forte contra a igualdade de tratamento é que aceita-se o tratamento como eficaz.

A chamada feita pela OMS vai contra esse padrão. Ela opta por privilegiar o erro do tipo II e aceita não haver relação entre zika e microcefalia somente após evidência significativa de que não existe relação. Com isso, o padrão de prática médica passa automaticamente a ser que existe relação entre o virus e a doença e todos os esforços devem ser feitos com isso em mente. Somente após evidência forte o suficiente poderemos descartar a existência dessa relação. 

Como em qualquer problema de decisão, trata-se de uma escolha do tipo de erros que preferimos cometer. A formulação convencional de testes de hipóteses não associa custo a cada tipo de erro. A mudança de padrão proposta pela OMS aponta, ainda que de forma implícita, a importância desse componente nesse complicado problema de decisão e deixa clara sua posição sobre o assunto. 

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