www.timeshighereducation.com
A grande notícia dos últimos dias foi, sem dúvida, o resultado do plebiscito do Reino Unido que decretou a saída desse importante país europeu da Comunidade Européia. Essa decisão já provocou a queda do primeiro-ministro britânico e causou grande turbulência no mercado financeiro. Existem inúmeros desdobramentos dessa decisão, atingindo várias facetas: política, social e econômica. Eu queria me concentrar aqui no batido tema da eficiência das pesquisas prévias de opinião, já tratado aqui.
No caso em questão, as pesquisas prévias eram quase unânimes em apontar o equilíbrio entre as posições a favor e contra. A bem da verdade, havia uma quantidade expressiva da população entrevistada que não explicitou sua posição (por não a ter ou não querer fazê-lo). As ultimas pesquisas apontavam algo em torno de 44% para as posições a favor e contra e 12% de indecisos/indefinidos.
Mesmo dentro desse cenário bastante incerto, sempre há pressão por uma definição e essas foram quase todas voltada para a posição contra a saída. Esse movimento não foi só semântico. As importantes casas de apostas do país pagavam favoravelmente as apostas pela saída numa aceitação tácita do favoritismo da permanência do Reino Unido no bloco europeu. Havia um clima de já ganhou a favor da permanência. Isso causou um choque, quase uma comoção, mundial quando o resultado final foi divulgado.
O que então aconteceu com as pesquisas? Em realidade, nada demais. A proporção final a favor da saída foi de 52% da população, confortavelmente contemplada pela soma dos antecipados 44% complementados por alguns dos 12% indecisos.
Algumas perguntas que ficam são:
1) seria possível obter uma melhor estimativa, que se aproximasse mais do resultado final?
2) como incorporar informação adicional para auxiliar o processo de estimação?
As 2 perguntas acima estão claramente relacionadas. O contexto ajuda a entender os problemas encontrados. A questão que estava sendo apresentada ao povo britânico era altamente sensitiva, especialmente nos tempos atuais com migrações de grandes massas populacionais de países da Africa e do Oriente Médio. O governo britânico mergulhou fundo na companha a favor da permanência e grupos influentes defenderam veementemente essa posição. A cosmopolita capital britânica foi francamente favorável (60%) à permanência no bloco, bem como as outras principais cidades. O mesmo vale para cientistas britânicos com os quais conversei em um congresso recente. Acredito que isso possa ter tornado a posição pela saída menos aceitável socialmente. Fenômenos dessa natureza tendem a enfraquecer a externalização desse tipo de posicionamento.
Outro acontecimento atual com relevância mundial são as eleições presidenciais americanas, agendadas para o final deste ano. Um dos candidatos mais fortes é Donald Trump, do Partido Republicano. Esse candidato vem colecionando polêmicas ao longo de sua campanha. Declaração de voto a favor de Trump está longe de ser uma escolha confortável para o eleitor. Como resultado, pesquisas de opinião tendem a subestimar as intenções de votos para esse candidato. Isso já foi observado quando da disputa interna pela indicação dentro do Partido Republicano.
Seria importante encontrar respostas adequadas às perguntas acima formuladas em situações delicadas como as tratadas aqui nesta postagem. Caso contrário, as pesquisas de intenção em temas polêmicos como esses podem se tornar desacreditadas, por acabarem apresentando resultados muito descolados da realidade. Soluções técnicas existem e requerem o uso de informação adicional: quer através de perguntas adicionais, quer através de informação prévia. As perguntas adicionais serviriam para construir um padrão que possibilitasse extrapolar a propensão dos indecisos. E existem várias maneiras de fazer isso.
Outra solução seria a sociedade evoluir para uma situação onde não houvesse nenhuma espécie de constrangimento social para qualquer posição válida dentro de um regime democrático. Como acredito que isso está muito longe de acontecer, é mais prudente a Estatística e os institutos de pesquisa se prepararem.
Dani, essa análise sobre a tendência que você fala sobre como as pesquisas capturam menos as declarações desconfortáveis do eleitor é muito valiosa. No Brexit, analistas e especialistas falavam que "indecisos geralmente tendem a votar pela manutenção do status-quo", indo exatamente para o lado oposto do seu argumento. Eu confio mais em você do que nesses analistas e especialistas, mas existe algum paper que testa essa tendência?
ResponderExcluirEu até poderia arriscar explicações mas acho que a análise dos porques dos resultados obtidos deve ser feita por especialistas das ciências sociais. O que a Estatística pode ajudar é detectar os padrões de não resposta através de uma análise de regressão (tipicamente logística).
ResponderExcluir