terça-feira, 28 de março de 2017

Toda biologia é biologia computacional


Fonte:Nationalmuseum Stockholm

O título provocativo desta postagem é a tradução do título de um artigo científico, escrito por Florian Markowetz, publicado alguns dias atrás (17/03/2017) no periódico científico PLOS Biology. Esse texto tem despertado interesse na comunidade científica de Biologia. Um pouco da reação favorável pode ser vista aqui. Mas com certeza ele está levantando reação contrária em igual ou maior intensidade.

O que o artigo sustenta de fato não é tão forte quanto o título. Ele descreve através de inúmeros exemplos que um aspecto fundamental da atividade científica do biólogo nos dias de hoje é a busca de apoio quantitativo nas suas mais diferentes formas. Ele cita não apenas o input computacional explicitado no título mas fala bastante de modelagem matemática e de análise estatística. 

O que considero interessante para nós é o reconhecimento da importância de análises estatísticas. Isso é explicitado através de uma lista de exemplos onde essas análises se revelam fundamentais para a obtenção de conclusões científicas. Esse tipo de situação foi/é encontrado em várias outras áreas da Ciência, notadamente nas Ciências Sociais. Existe em alguns grupos nessas áreas o entendimento que o avanço científico deve ser resultado de uma reflexão teórica sobre o objeto de estudo e a interferência de quantificação seria um reducionismo inapropriado.

Essa visão vem paulatinamente perdendo força mas ainda persiste. Independente de estarmos de acordo ou não com essa visão da Ciência, a entrada de computadores em larga escala no mundo e a ênfase mais recente no manuseio de grandes massas de dados (big data, já tratada aqui) vem criando um novo paradigma para a Ciência e ensejando a possibilidade de "descobertas" de questões e possíveis respostas a elas através de uma apropriada investigação nos dados.

Esse novo cenário permite que teorias sejam formuladas com base nessas descobertas e desenvolvidas a partir daí, com sustentação fortemente calcada na análise direta dos dados. Segundo o autor, foi esse tipo de visão da Ciência que norteou Carl von Linné (ou Carlos Lineu, em português), registrado no quadro acima. Ele foi o fundador da taxonomia de Lineu, onde foi estabelecido o conjunto de regras usado até os dias de hoje para classificação dos seres vivos.

O artigo parece sugerir que esse passou a ser o único caminho possível para o avanço científico. Sabemos que isso não é verdade e o tratamento reflexivo do escopo da Ciência estabelece um outro caminho mais convencional, que continua tendo seu valor. Na minha opinião, essa componente pode até ter perdido sua proeminência com o crescente pragmatismo dos dias de hoje mas está ainda muito longe de não ter mais espaço na Ciência do século XXI. Um adequado equilíbrio entre teoria e prática continua a me parecer o melhor paradigma para o avanço da Ciência.

O artigo começa com uma série de episódios que explicitam o desapontamento do autor com seus colegas de profissão devido a discriminações por ele sofridas devido a sua abordagem voltada para aspectos computacionais da Biologia. Esses episódios parecem ter deixado feridas no autor e seu ressentimento é evidente. Isso talvez o tenha levado ao extremo do título que me parece refletir um pouco do exagero descrito acima.

O artigo completo pode ser visto aqui.

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