terça-feira, 10 de outubro de 2017

Pênalti é loteria?

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A recente decisão da Copa do Brasil foi vencida pelo Cruzeiro na disputa de pênaltis após 2 empates no tempo normal dos jogos contra o Flamengo. Um dos aspectos mais comentados após o jogo foi a decisão tomada pelo Flamengo para as cobranças de pênaltis. A estratégia adotada foi de o goleiro pular para o mesmo canto, no caso o direito, em todas as cobranças da equipe do Cruzeiro. Existe uma dúvida quanto a quem foi o responsável por essa decisão: o próprio goleiro, a equipe de treinamento de goleiros ou um colegiado envolvendo os últimos e também o centro de inteligência do clube. 

O fato é que o goleiro Muralha pulou todas as 5 vezes para o mesmo canto e não defendeu nenhuma cobrança. Após o jogo, ele corajosamente assumiu a responsabilidade pela decisão, atraindo para si todas as críticas por uma estratégia mal-sucedida. Entretanto, isso não exime os outros atores acima mencionados pois eles foram no mínimo consultados.

O que isso tem a ver com nosso blog? Bom, para início de conversa, futebol pode ter muito do imponderável mas, como já ficou abundantemente claro, também tem muito de conhecimento sobre os seus diferentes aspectos. Exemplos eloquentes foram discutidos em postagens passadas. Assim, o uso de estatísticas tem lugar cativo nas análises e na construção de estratégias de jogo de toda equipe de ponta, com profissionais contratados exclusivamente para esse fim.

É importante informar que essa visão ainda está longe de ser unânime. Outras fontes de crítica à estratégia adotada aproveitaram para questionar exatamente isso: a relevância do uso de Estatística como ferramenta de apoio à tomada de decisão também no futebol. Isto é, o fato de ter havido uma argumentação pretensamente baseada em dados e ou científica ensejou críticas veementes de jornalistas experientes não apenas à essa decisão mas a qualquer decisão futebolística baseada em Estatística!

Voltando para a decisão de Muralha, pular para o mesmo canto significa se render à visão que existe pelo menos um aspecto do futebol (cobranças de pênaltis) onde o resultado é completamente aleatório. Se isso fosse verdade, pular para qualquer canto seria igualmente bom, o que justificaria a abordagem do goleiro. Mas justificaria também muitas outras como igualmente eficazes!

Meus parcos conhecimentos teóricos e práticos tanto de futebol quanto de Estatística relutam em aceitar uma compreensão tão simplificada do jogo de futebol. É possível sim aprender características de batedores de pênaltis e desenvolver a habilidade de procurar sinais que ajudem a decifrar o que faz com que o batedor escolha uma dada direção. Isso se faz aliando treinamento com habilidade inata. No caso do goleiro do Flamengo, seria preciso contar mais com a 1a característica dada a notória deficiência inata do jogador nesse aspecto. 

Os times tiveram 20 dias desde o 1o jogo, quando ficou claro que havia uma boa chance de decisão por pênaltis. Assim, havia tempo suficiente para um treinamento intensivo com os goleiros no desenvolvimento dessa habilidade. Claro que não seria fácil e as chances de batedores levar vantagem permaneceriam altas. Entretanto, como a própria disputa do último dia 27 de setembro mostrou, não havia necessidade de defender todos os pênaltis; defender e/ou forçar o atacante a perder um único dos 5 pênaltis foi o suficiente.

A conta abaixo dá uma idéia de quão importante esse treinamento é: se as chances de defesa em cada cobrança são diminutos 13% e se assumirmos que a cobranças são independentes, as chances de pelo menos 1 defesa nas 5 cobranças sobem para 50%. Você pode achar que 13% é um número muito alto para as chances de defesa. Se baixarmos as chances de defesa em uma cobrança para modestos 5%, as chances de pelo menos 1 defesa em 5 cobranças caem para 23%, que continua longe de ser uma chance desprezível. 

Meu ponto é que se o Muralha partiu de um histórico ruim de 1 defesa em 31 cobranças durante sua carreira (cerca de 3% de chances de defesa), treinamento intensivo poderia ter subido essa chance para talvez 7%, o que lhe daria 30% de chances de uma defesa nas 5 cobranças. Com isso, ele não precisaria apostar tão cegamente no acaso. Talvez os treinadores de goleiros tenham feito treinamento intensivo e mesmo após isso julgaram ter havido um ganho desprezível de propensão à defesa, justificando a aposta no acaso. Nesse caso, parece-me que ou o goleiro teria um bloqueio de aprendizado (o que acho difícil de acreditar) ou o treinamento não foi tão eficaz quanto poderia.

Como professor, é difícil para mim acreditar não ser possível que uma pessoa adquira proficiências necessárias para uma dada tarefa tendo recebido apropriado e intensivo treinamento no assunto.

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