terça-feira, 13 de março de 2018

Discurso de Emerência na UFRJ*

Helio Migon proferindo seu discurso 

por Helio dos Santos Migon

Devo iniciar dizendo que esta Cerimonia de outorga deste título de Emerência me comove profundamente.  Não me furto, neste momento, a reconhecer que o caminho até esta solenidade me foi facilitado em muitos sentidos.  Enfim,   compreendo que sou um privilegiado nesta sociedade em que vivemos. 

Tive boa educação, baseada em princípios  morais sólidos,  cresci numa família organizada e funcional, frequentei boas escolas, fiz escolhas profissionais acertadas, contei com muitos colaboradores e orientadores  de grande competência;  todos muito generosos e pacientes comigo.

Superei, sobretudo,  todos os percalços vivenciados, tirando lições  e, com  profunda e sincera humildade, convivi com os momentos de conquistas!

Tenho forte gratidão a todos que colaboraram para que eu chegasse ao ápice desta carreira que tanto prezo. 

Minha bela família aqui presente, minha querida esposa Mirna, meus filhos e noras,Marcio e Aparecida, Marcelo e Bianca, Renato e Gabriella;  minhas netas: Luisa, Julia, Beatriz, meus netos Pedro e Bernardo; minha mãe, meus irmãos; meus amigos e colegas de diferentes etapas de minha longa jornada profissional; meus diletos alunos e ex-alunos.

Falarei um pouco de minha trajetória acadêmica e profissional meramente a titulo de exemplo para os mais jovens. Não me furtarei, todavia, a discutir um pouco do que penso ser um ambiente  universitário de excelência e do qual ainda estamos distantes. Lamentavelmente!!!

Minha formação, inicia-se com  um curso primário realizado em diferentes escolas em razão das constantes mudanças impostas pela profissão de meu Pai. Acabei tendo uma educação secundária em escola católica paulista de boa qualidade. Ai fui despertado pelo interesse pela matemática. Na verdade, era um desafio de um contestador juvenil.

No final dos anos 50, inicio dos 60, vivíamos em nosso pais os reflexos da industrialização,  tempos de bonança cultural, esportiva etc. Não era, portanto, difícil justificar meu interesse pela realização de um curso técnico — era a moda ! Juntem-se a isto, estímulos externos que me faziam pensar numa futura carreira em economia.  Estes ingredientes levaram uma tia, professora de matemática,  a me sugerir o curso técnico de estatística, na ENCE.  

Assim iniciei minha paixão pela Estatística!

No curso técnico, na ENCE, tive excelentes professores, construi amizades duradouras e uma experiência de vida interessante. Sentia-me um adulto ao me dirigir ate o Edifîcio Nubia na Presidente Wilson, centro da cidade. Para citar exemplos da qualidade dos professores, fui aluno do Mello e Souza (irmão do popular Malba Tahan), da Helena Lacour, do Albert e Raymon Eber e  vários outros com alguma relação com a UFRJ. 

Um pequeno desvio de rota, me levou a uma experiência profissional burocrática no Banco do Brasil. Assim, meu ingresso  na graduação de Estatística da ENCE só veio a ocorrer em 1967.

Na ENCE tive como professores - J. Alberto, Ze Paulo, Morgado, Chaffi - todos vinculados a UFRJ, de alguma forma. Os textos de matemática eram em grande parte da editora MIR, editora Russa, e os de estatística, pretensiosos, e na prática, não usados. 

Os tempos eram de grande efervescência. Os estudantes reclamavam reformas mundo afora. Por aqui, os estudantes demandavam, ainda, liberdades democráticas.

Nesta época, além das  passeatas, congressos estudantis (Ibiúna, etc… - o corretor de texto insiste em colocar Ibiza!!!), tínhamos tempo de propor reformas curriculares. E estudar, é claro!!!

Éramos jovens intrépidos e abusados!!!  

Alguns exemplos incluem   
 1. assistir em 1969, a conferência do Kolmogorov, em  visita  a UFRJ. Viajava, segundo a lenda, num navio da marinha russa. Extasiado, porem, obviamente, sem entender nada !.
2. a relação com a UFRJ nesta época se dava, também, através do IBM 1130 do Pacitti, com 32 K de memória.  Pasmem!

3. algumas aulas do Oscar Porto Carreiro na Urca, sábado pela manha.

4. os cursos de Probabilidade e Inferência do Caio Dantas, no IMPA, cumulativamente com a graduação e o trabalho no Banco Central, os quais foram determinantes para minhas escolhas futuras.

Tinha de decidir entre um mestrado no Chile, ou em PO no Instituto Militar de Engenharia, ou em Estatística na Usp. E, ainda por cima, me afastar do cargo que tinha no Banco Central !   

Já tinha paixão declarada pela ciência estatística e, agora, por uma jovem e talentosa estatística!  

Assim, em 1970, tornei-me bígamo! 

Minhas experiências acadêmicas iniciam-se como auxiliar de ensino na Unicamp. Esta foi a forma de viabilizar o programa de mestrado em Estatística na USP.  Éramos um departamento de jovens recém formados. Predominantemente cariocas,  com pesadas atribuições de ensino em cursos para Engenharia e, também, para a graduação de Estatística.  Eram tarefas  incompatíveis com nossas parcas experiências da graduação. Além disto, tinha as  viagens, duas vezes por semana, para assistir aulas em SP. Dificuldades diversas acabaram fazendo com que esta experiência redundasse numa “demissão” coletiva. Alguns ficaram pelo interior de SP, outros retornaram para o Rio e dois ou três fomos para o IME/USP.

 A absorção aos quadros do IME/USP foi a maneira de dar continuidade ao mestrado. Sou grato ao Caio Dantas por viabilizar essa etapa de minha carreira e, também, por me ter sugerido o saudoso Norberto Dachs como orientador de mestrado.

Lá fiz sólidas e duradouras amizades. Em especial agradeço ao W. Bussab e a Lisbeth que muito me facilitaram a integração ao Departamento.

Ao fim de um longo período de mestrado  surgiu a oportunidade de uma experiência na “industria”. Era uma Divisão  de Econometria na Telebrás,  em Brasilia.  La fiquei pouco mais de um ano, mas aproveitei muito realizando um curso de   Introdução a Economia e Aplicações: Avaliação e Análise de Projetos, no Cendec/Ipea.

Em seguida, retornando ao Rio,  fiz parte de um grupo de excelência no SERPRO. Era  um Setor de Métodos Quantitativos composto por  grandes talentos emergentes. Acho que ai, já com uns  cinco ou mais anos de formado, foi que aprendi a usar Estatística. Este grupo era  quase que um departamento acadêmico. Tivemos projetos interessantes e desafiadores. Usamos métodos de amostragem, simulação estocástica, técnicas exploratórias para elaboração de malhas fiscais. 

Acho que que fazíamos Data Science e não sabíamos.

Neste período consegui, finalmente, realizar o tão esperado encontro com a UFRJ.  Ingressei em 1978 como prof. Assistente e sai para o doutorado em 1980, retornando em 1983. Finalmente decidi passar a limpo a questão  da formação maior. A escolha de Warwick revelou-se, desde o inicio, mais um acerto nas minhas escolhas.Um departamento pequeno e promissor. Com uma renovação de quadros expressiva, que  levou ao reconhecimento de hoje em dia - um departamento top com mais de 35 docentes e muitos estudantes. Em minha opinião era a própria imagem do Jeff Harisson: dinâmico e criterioso em suas seleções.

De lá para cá colaborei em várias atividades junto ao IM. 

Algumas Reflexões

Não poderia deixar de aproveitar esta oportunidade para fazer uma análise crítica de nosso ambiente universitário  ou da universidade brasileira, em geral. Irei contrapor algumas realizações positivas que vivencie com varias outras que possivelmente não terei tempo de ver implantadas.

Começando por nosso Instituto, é notório o seu crescimento acadêmico. Após anos de administrações confusas e sem propostas científicas adequadas, vivemos nos últimos tempos um período de crescimento harmonioso, com renovação expressiva de nossos quadros de professores, com avaliações  positivas de nossas graduações, com a criação de novos cursos de graduação, com reconhecimento de nossos programas de pós-graduação,  etc. 

Somos, entretanto,  diversas UFRJs !

Helio Migon com as autoridades que compuseram a mesa e sua comissão de apresentação

Aqui na Matemática, e imagino poder estender ao CCMN e, provavelmente ao  CT, zelamos, com dedicação e afinco, pela qualidade dos alunos que formamos. As avaliações das graduações testemunham estes esforços.

Nossas graduações são  cuidadosamente conduzidas. Providencias constantes são tomadas no sentido de assegurar a qualidade das disciplinas  ministradas, a cobrança sistemática do desempenho de nossos alunos, valorizando  o mérito acima de tudo, a reformulação das grades curriculares para adequá-las ao progresso cientifico e as demandas da sociedade, são  metas típicas de nosso dia a dia. 

Continuando, como exemplo dessa permanente preocupação podemos ainda citar:

1. os cursos “coordenados” de Calculo, Álgebra Linear, e Probabilidade e Estatística, dentre outros.   

2. a concessão de diplomas duplos: Engenheiro de Produção e bacharel  em Estatística — simplesmente com um ano extra de estudos; ou Atuário e bacharel em Estatística — complementando com a um pequeno conjunto adicional de disciplinas.

Buscamos insistentemente formar profissionais tecnicamente competentes, com capacidade de análise critica e aptos a acompanhar o acelerado desenvolvimento científico. 

Aos graduandos são oferecidos cursos baseados nos avanços da ciência já consolidados, diferentemente de nossos programas de mestrado, onde ensinamos conceitos com forte base teórica   mas, sobretudo,  temas em desenvolvimento e na fronteira da ciência. Nos cursos de doutorado, por seu turno, nossos alunos devem contribuir para o avanço cientifico com ideias  criativas e inovadoras.

Este conjunto de atributos fazem com que nossa UFRJ, aquela das ciências básicas, vá muito além de uma mera união de faculdades (escolões). 

A integração entre esses três níveis cria um espaço diferenciado  que podemos orgulhosamente denominar de  nosso ambiente Universitário.

Mas nem tudo são realizações. 
1.  Não temos um sistema de ingresso unificado que selecione os mais competentes, pelo menos, por grande áreas do conhecimento. Que ofereça  aos alunos um curso básico precedendo suas  escolhas  profissionais. Sempre  respeitando o mérito!!!

2. Por que não admitirmos, para o ciclo básico,  um número   de alunos superior  ao das vagas para a parte profissional. Ofereceríamos,  aqueles que não progredissem para as especialidades de sua escolha,  um certificado relativo a esta formação básica, a qual poderia ser complementada por um estágio técnico de curta  duração nas diversas áreas da tecnologia.  
Talvez ajudássemos a melhorar a produtividade da M.O.!

3. Deveríamos comprometer nossos estudantes com a  vida universitária, ofertando atividades sociais, culturais, esportivas etc.  Afinal a Universidade é muito mais do que as salas de aula. São os programas de iniciação cientifica, as monitorias e essas outras atividades que fazem a diferença.  Para isto precisaríamos de melhores instalações, melhores espaços para atividades culturais e esportivas, mas sobretudo incutir nos alunos que é isto  que os farão crescer mais e mais.

4.  Educar os alunos para que compreendam e dêm mais valor a tudo que recebem gratuitamente da sociedade!  Não tenho duvidas que se suas famílias, na medida do possível, contribuíssem para o custeio dessas atividades, ainda que muito  parcialmente,  poderíamos oferecer melhores condições de trabalho a eles e mais responsabilidade com as coisas publicas. E, consequentemente, mais reconhecimento por tudo que lhes é ofertado.

5. Criar uma porta de entrada para professores, profissionais de reconhecida competência,  que venham, pontualmente, colaborar na formação pratica de nossos graduandos. O engenheiro que construiu a Ponte do Saber, o atuário com sua experiencia de mercado, não precisam do Lattes.

6. Estimular aqueles ex-alunos de grande sucesso em suas carreiras profissionais a serem beneméritos e colaboradores de nosso desenvolvimento.

7. Reestabelecer uma carreira profissional baseada somente no mérito.  Correções salariais devidas ao tempo de serviço  devem ser introduzidas via quinquênios, sexta parte e não desprestigiando a carreira. Resumindo e citando Cristóvão  Buarque (03/02/2018, OGlobo):  
“Depois de quase duas décadas, as falsas narrativas — da “ascensão da classe média pela Bolsa Família”, do “salto científico pelo Ciência Sem Fronteiras”, da “revolução educacional pelas vagas na universidade” — transformaram-se em realidades alternativas, que não apenas criaram narrativas, mas se acreditam nelas.” Pasmem!

Só me resta a esperança de ter deixado um singelo legado para que os mais jovens reparem esses profundos enganos. A receita é simples: trabalho incansável, sem perder o norte da meritocracia: quer científica,  quer profissional.

Concluindo, agradeço do fundo d’alma aos colegas que sempre me deram apoio irrestrito, a Universidade Federal do Rio de Janeiro na figura de seus dirigentes, ao Instituto de Matemática pelo ambiente harmonioso dos últimos tempos e Coppe, onde exerci atividades por mais de uma década. 

Aos meus alunos e ex-alunos que foram a razão desta carreira, aos meus colaboradores/co-autores preferidos, aos meus orientadores, que ja se foram, lamentavelmente.

Ao corpo técnico-administrativo, especialmente aqueles que embora nas longas greves (muitas injustificáveis…) se dedicaram a Instituição  — vestindo a camisa — e mantendo a estrutura em funcionamento.   

Não poderia deixar de agradecer com a devida ênfase ao apoio irrestrito de minha esposa Mirna e de meus filhos. Eles compreenderam, assim espero, minhas ausências ….. Retribuíram de forma condizente  aos  investimentos que fizemos em capital humano, construindo  belas e sólidas carreiras. Além e,  principalmente, por nos  terem dado netos maravilhosos. 

Aos meus queridos pais, Adeéle e Roza, que me propiciaram condições básicas para trilhar este caminho.  Aos meus irmãos e suas famílias que propiciam convívio harmonioso e acalentador.

Muito obrigado!!!

* - discurso da cerimônia de outorga do título de Professor Emérito da UFRJ em 06/03/2018

Um comentário:

  1. Vi há pouco que o discurso da emerência do Migon tinha sido postado aqui. Dani, obrigada por compartilhar esse momento! Infelizmente, não pude estar presente na cerimônia.
    Adoraria ter estado lá para aplaudir de pé a carreira do Migon e, especialmente, agradecer pessoalmente pelo quanto me beneficiei do seu trabalho na UFRJ. Muito obrigada, Migon!

    Um grande abraço
    Alexandra

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