https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/23/ciencia/1527088298_574101.html
por Kiko Llaneras
Não é possível contar a história sem dados. Não há conhecimento sem contabilidade. Charles Darwin desenvolveu a teoria da evolução das espécies sabendo que os continentes se moviam, mas também teve que ir a uma ilha remota e registrar que ali os animais eram diferentes. Todas as ciências são quantitativas, incluindo a história. Ninguém questiona isso se voltarmos muito no tempo – porque sabemos que a teoria do Big Bang foi feita por físicos e se fundamenta em equações –, mas é verdade em geral: conhecer o passado requer números.
Podemos pensar na pré-história, por exemplo, que hoje vive uma revolução graças à genética. Foram desenvolvidas técnicas que nos permitem reconstruir com precisão os movimentos das populações humanas há milhares de anos. E isso está sacudindo os pilares da disciplina. Foram encerrados debates abertos há décadas, como a discussão que dividia especialistas sobre como a agricultura chegou à Europa. Em uma entrevista à revista Letras Libres, Karin Bojs, autora de Min Europeiska Familj (“minha família europeia”), explicou que o dogma do último meio século foi de que houve uma reeducação dos caçadores-coletores. Acreditava-se que eles descobriram a agricultura. Agora, a análise de DNA desmantelou essa hipótese: a agricultura foi trazida por outras pessoas. Na Espanha, foi introduzida por um grupo que chegou há 7.000 anos.
A ciência avança assim, tecendo teorias e evidências. Quando as provas materiais se esgotam, surgem discussões e as hipóteses se multiplicam (porque não há provas para falseá-las). Então aparecem novas pistas – os estudos genéticos neste caso – que reforçam algumas explicações e enfraquecem outras, fazendo nosso conhecimento dar um salto adiante... até surgir a próxima incógnita.
Se a pesquisa histórica é quantitativa, por que ainda evoca palavras antes de números? Parte da culpa pode ser a divulgação que está por trás. A história ainda é apresentada como uma disciplina de “humanas”. Mas isso também está mudando. Um exemplo é um livro The Infographic History of the World (Harper Collins) de Valentina D’Efilippo e James Ball. É um compêndio de dados e gráficos sobre temas que vão do Big Bang ao nascimento da Internet, passando pela era dos impérios e pela revolução industrial. É um livro bonito e detalhado, que acerta especialmente na seleção de temas. Há infográficos sobre divórcios e missões espaciais, mas os melhores são os mais antigos, dezenas de ilustrações de dados sobre o sistema solar, o bipedismo, os impérios ultramarinos e horas de sono antes da luz elétrica.
O livro é cheio de curiosidades. Explica, por exemplo, que o diafragma foi fundamental em nossa evolução. Alterou nosso tórax e, graças a isso, conseguimos nos separar do chão e ficar mais parecidos com um cachorro do que com um lagarto. E as bactérias? Estão aqui desde o princípio e dominam a Terra: para cada quilo de seres humanos existem 4.000 quilos de bactérias.
La Historia Infográfica del Mundo também tem um ponto nostálgico, porque lembra os livros que muitos devoramos quando crianças. Aqueles volumes cheios de ilustrações minuciosas sobre romanos, pirâmides e dinossauros. Livros que, num mundo sem Internet, eram explorados lentamente, quase com respeito, como um baú descoberto no sótão.
O mundo em dados
É impossível falar de dados na história sem mencionar o projeto de Max Roser, Our World in Data. Esse pesquisador de Oxford criou um site para “explorar a história da civilização humana” por meio de pesquisas e visualizações. É um lugar para se perder entre dados muito importantes: quanto vivemos agora; qual era a taxa de homicídios em 1780; como a riqueza evoluiu na Idade Média; ou como a saúde na África melhorou ao longo da última década.
Max Roser pertence a um grupo de divulgadores que defendem que o mundo progrediu. Fazem isso fornecendo dados que nem sempre recebem a atenção que merecem: você sabia que a taxa mundial de pobreza extrema caiu de 29% para 10% desde 2000? Outro membro do grupo é Hans Rosling, especialista em saúde global que ficou famoso por uma palestra no TED em que apresentava estatísticas com entusiasmo contagiante. Rosling morreu no ano passado, mas acaba de ser publicado um livro seu cheio de números (Factfulness).
Ainda mais conhecido é Steven Pinker, cientista e escritor de sucesso, autor entre outras obras de Os Anjos Bons da Nossa Natureza (Companhia das Letras). Nesse livro, Pinker conta a história da violência e fornece dezenas de gráficos para defender que, apesar da crença popular, as sociedades modernas são menos violentas. Agora Pinker publicou outro livro, Enlightenment Now, em que defende o progresso do mundo em termos históricos. Para isso usa uma torrente de gráficos e estatísticas sobre saúde, educação, desigualdade, violência, felicidade, qualidade de vida, meio ambiente e igualdade de direitos. O principal valor dessa nova divulgação está nisso. Porque se pode concordar mais ou menos com a tese de Pinker, que não deixa de ser um ativista de sua causa, mas é difícil negar que os debates são melhores quando os argumentos são acompanhados de provas.
* - texto publicado na edição brasileira do jornal El Pais do dia 24 de maio de 2018, e indicado para leitura pela versão digital do Jornal da Ciência do dia 11 de junho de 2018.
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