terça-feira, 6 de novembro de 2018

Como redigir artigos científicos?

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Esse texto foi motivado por um pedido dos alunos do Programa de Pós-Graduação em Estatística da UFRJ para que fosse apresentado uma palestra sobre o tema. Achei o pedido extremamente oportuno e me ofereci para falar um pouco sobre o assunto, baseado na minha experiência. Essa conversa acontecerá amanhã mas resolvi deixar registrado o resultado dessa reflexão aqui no StatPop. A postagem acabou se tornando mais uma digressão sobre princípios que devem reger a redação de artigos do que uma resposta detalhada à pergunta-título dessa postagem. O texto é uma exposição mais voltada para redação de artigos científicos de Estatística. Mas desconfio que muito do que vou descrever aqui vale para várias outras áreas da Ciência, como ilustra a figura acima.

Para começar, vale dizer que a forma primordial de avanço da Ciência é através da publicação de artigos em periódicos para reportar esses avanços. Para garantir que esses textos representem avanços e não retrocessos, todo artigo é submetido a uma bateria de avaliações para verificar se ele está correto cientificamente e se suas contribuições são relevantes. Essas avaliações em geral seguem uma hierarquias, e a maioria dos periódicos científicos tem o seu Editor, que envia o artigo para um Editor Associado, que por sua vez o envia para (em geral) 2 revisores. Os revisores avaliam as contribuições do artigo e remetem sua avaliação para o Editor Associado. Com base nas avaliações dos revisores, o Editor Associado formula sua recomendação para o artigo ao Editor, que finalmente toma a decisão. As decisões mais comuns são aceitar, rejeitar e pedir para o artigo ser revisado. Nesse último caso, o artigo volta para os seus autores modificarem de acordo com o exigido pelo Editor e prepararem uma nova versão até que fique claro (para o Editor) se o artigo merece ser aceito ou rejeitado.

Embora esse processo pareça simples, ele é sujeito a uma série de circunstâncias que podem levar um artigo para um ou outro destino final. E são essas circunstâncias que é importante ter em conta antes de submeter um artigo à publicação em um dado periódico. Para começar, não custa repetir que o artigo deve apresentar resultados que demonstrem claramente um avanço relevante para a Ciência. Assim, é fundamental que os resultados obtidos sejam claramente apresentados e devidamente justificados. 

Além disso, revisores, editores e leitores de artigos em geral estão expostos regularmente a uma série de artigos científicos. Essa demanda diuturna torna difícil que eles possam dedicar a cada artigo o tempo que ele merece. Essa restrição temporal de todos os leitores faz com que seja muito importante que o artigo seja bem apresentado. Se assim for, seus leitores terão interesse em ler com toda a atenção o seu conteúdo e fazer a avaliação mais justa possível.

Grande parte de um artigo deve ser dedicada às suas contribuições mas para que o leitor se disponha a enfrentar essa tarefa, ele precisa ser atraído a ela. O que atrai mais cada leitor é dificil dizer mas grande parte vem do título, seguido do seu resumo e sua introdução, onde é descrita a área onde se insere o artigo, qual a sua contribuição e o que ela tem de diferente do que já foi feito. Essas são as partes do artigo mais facilmente digeridas por um leitor causal. Junto com a seção final de conclusões, onde serão resumidos os principais achados científicos do texto, esse material introdutório serve para dar o tom do que está por vir. Embora aparentemente de menor importância, esses trechos servirão para animar/desanimar o leitor/revisor quanto ao cerne do artigo.

Assim, título, resumo, introdução e conclusão devem enfatizar ao máximo as vantagens dos avanços contidos no artigo, mas nada além nem aquém disso. Uma subvalorização poderá fazer o revisor menos atento ficar menos propenso a entender a total relevância da contribuição científica do artigo. Uma supervalorização poderá fazer o revisor ficar mais atento e querer verificar com mais afinco a veracidade das afirmações contidas nas partes introdutórias. 

Outro ponto importante é saber avaliar o real valor da contribuição científica trazida pelo artigo. Note que esse ponto está relacionado ao parágrafo anterior mas não deve com ele ser confundido. Mesmo se você descreve corretamente que contribuições o seu artigo traz, você pode achar que essa contribuição é menor/maior do que a contribuição que o artigo efetivamente traz. Novamente, uma subvalorização/supervalorização poderá levar a uma escolha infeliz de periódico onde o artigo será publicado. Em um extremo, ter-se-á um artigo publicado em periódico aquém do seu valor e portanto com menor alcance perante a comunidade científica. No extremo oposto, tem-se um artigo enviado a um periódico acima do seu valor e portanto com maior chance de não ser bem recebido e acabar sendo rejeitado.

Esse é um "jogo" que só se aprende corretamente a jogar depois de se adquirir experiência. Essa experiência pode vir à custa de artigos muito bons saindo em periódicos de menor expressão e de artigos não tão bons que acabam sendo rejeitados. Para jogar esse "jogo", é preciso ter vontade de contribuir e não esmorecer perante as dificuldades e dissabores que negativas necessariamente trarão.

Sugestões para saber localizar melhor a prateleira onde se encontra sua contribuição passam primeiro por uma auto-avaliação, mas também passam por avaliações formais ou informais de colegas. Para isso, apresentações em congressos e seminários tem um imenso valor em função dos feed-back recebidos. As auto-avaliações são sempre mais difíceis pois em geral um artigo é fruto de um grande esforço pessoal e tendemos a vê-lo com uma pequena obra-prima. Ném sempre os outros verão nosso trabalho da mesma forma; eles não gastaram semanas ou meses na sua elaboração, nem perderam noites de sono para resolver os problemas que apareceram no meio do caminho.

Um colega me disse muitos anos atrás que se um artigo recebe várias rejeições o problema deve estar no artigo e não nos revisores que o avaliaram. Curiosamente, esse colega teve uma carreira de grande sucessos, possivelmente com poucas rejeições, e ele agora ocupa o cargo de Editor de um dos principais periódicos de Estatística. Uma outra frase que também procuro seguir é que o revisor (quase) sempre tem razão. Se ele reclama de algum trecho do artigo que julgamos estar correto, é porque nós não soubemos explicá-lo bem. As exceções envolvem avaliações que levam em conta fatores outros que os meramente científicos. Não há como evitar esse problema mas uma busca de periódicos devem direcionar nossa escolha para periódicos mais afeitos ao tipo de contribuição que ele traz.

Isso nos leva a uma última recomendação, embora o artigo seja nosso, publica-lo significa literalmente torná-lo público. Às vezes, um pequeno detalhe nos é muito caro (talvez pelas horas consumidas para verificá-lo) para os outros é só isso, um detalhe. Devemos escrever um artigo pensando muito mais em um legado para os outros do que em um desabafo de cunho pessoal. Esse último serve para romances e biografias, não para produções científicas. Assim, o trabalho deve ter uma apresentação impessoal, seguindo uma cronologia logicamente (e não pessoalmente) orientada e mostrando todas as suas virtudes e sua contextualização no cenário atual da Ciência, e não no cenário pessoal de seu(s) autor(es). 

Finalmente, não custa dizer que esse texto está muito longe de exaurir todas as informações necessárias. Nem tampouco se propõe a ser a última referência no assunto. Existe uma enormidade de sites na internet que podem complementar as informações aqui contidas. Eu mesmo tenho várias experiências pessoais (tanto agradáveis quanto desagradáveis) que poderiam enriquecer a compreensão. A experiência adquirida só me mostrou que as exigências fazem parte da nossa atividade de investigação. Editor/revisores querem ter o máximo possível de evidências para tomar sua decisão da forma mais correta possível. Claramente, o erro tipo I aqui é aceitar um artigo errado e tem prevalência sobre o erro tipo II de rejeitar um artigo potencialmente promissor. É com esse rigor que a Ciência se desenvolve. Quanto mais cedo nos acostumarmos a isso, mais suave será nossa passagem pela difícil mas prazerosa carreira acadêmica.

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