terça-feira, 26 de maio de 2020

Devemos fazer previsões da pandemia?


Semana passada participei de 2 eventos (virtuais) para apresentar trabalhos sobre a pandemia de Covid19, conforme divulgado aqui. O primeiro evento foi uma entrevista para o canal no YouTube do Ciência no Bar, cujo anúncio ilustra esta postagem. Ciência no Bar é uma iniciativa de um grupo de jovens e animados pesquisadores de Ecologia baseados em Florianópolis, com o objetivo de popularizar a Ciência, similar ao que fazemos no StatPop voltados para a Estatística. Assim, consistia em um debate menos formal voltado para um publico mais diversificado. Já o segundo evento foi uma mesa redonda promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Estatística de São Carlos, no estado de São Paulo. Assim, ela naturalmente envolvia um aporte mais técnico para o assunto, para uma platéia esperada de conhecedores do assunto.  

Ambos eventos deixaram algumas lições importantes que gostaria de compartilhar aqui neste espaço. Algumas dessas lições foram verbalizadas durante a mesa redonda mas passei algum tempo refletindo sobre os eventos ao longo do fim de semana. E é sobre essas reflexões que queria aproveitar o espaço aqui para reverberar.

A primeira lição é que o trabalho da Estatística é muito mais reconhecido e respeitado pela sociedade do que a comunidade estatística mundial, e especialmente a nacional, parece perceber. Essa pandemia trouxe essa redenção para a área e a Estatística parece estar resgatado seu lugar de grande destaque nas discussões sobre a análise de dados da pandemia. 

Entretanto, parece-me que boa parte dos estatísticos parece não se dar conta dessa situação. Grande parte do esforço quantitativo dessa pandemia está diretamente associado às tarefas de organização e apresentação dos dados. Isso só vem justificar todo o esforço dos últimos anos que muitos pesquisadores da área vem empregando na geração de conhecimento em visualização de dados. Muitos estatísticos ainda não parecem entender que essa também é uma área nobre do conhecimento e que tem grande valor.

Relacionado a esse ponto, vem a constatação que aquilo que para os estatísticos é considerada uma obviedade muitas vezes só consegue ser explicado ao publico leigo depois de um razoável esforço de apresentação. Isso vale para visualização de dados mas para vários outros aspectos de manuseio da matéria prima fundamental do estatístico: os dados.   

Outro ponto é a dificuldade que todos estamos presenciando de se fazer previsões sobre a evolução dessa pandemia. Inúmeros pesquisadores mas também curiosos tem utilizados seus conhecimentos para gerar um sem número de propostas para prever diferentes aspectos associados à pandemia. E como todos estamos vendo, há uma variação substancial de resultados a respeito da mesma quantidade de interesse. 

E essa variação é perfeitamente compreensível dados o baixo grau de compreensão que temos dessa doença e a diversidade de abordagens usadas para embasar as diferentes previsões. A mesa redonda redonda que participei apresentou algumas delas. Isso suscitou o inevitável questionamento sobre a validade do exercício de previsão nesse contexto. Devo deixar claro que acho o questionamento totalmente pertinente, como meu paragrafo anterior testemunhou. 

Uma frase mencionada algumas vezes durante a mesa redonda foi a célebre "todos os modelos são errados mas alguns são úteis", proferida pelo famoso estatístico George Box. Ela pontua como deve ser a atuação de qualquer estatístico mas também serve para descrever a atuação de qualquer pesquisador ou mesmo profissional ligado a modelagem. A arte da modelagem está na escolha mais apropriada possível dentro da cesta de possibilidades oferecidas ao cientista.

Novamente aqui se observa a introversão de muitos estatísticos, que preferem não apresentar suas contribuições preditivas por conta da descrença na capacidade dos modelos fornecerem informação útil. Acho que existe uma razoável compreensão na sociedade da dificuldade da tarefa de previsão. Além disso, enquanto os estatísticos não ocupam o seu lugar no cenário de predição, outros profissionais menos qualificados para essa tarefa ocuparão. Finalmente, existe um grande interesse de todos por esse tipo de resultado.

Entendo que, sendo uma questão envolvendo Estatística, o estatístico tem a missão de dar sua contribuição por mais distante do ótimo que ela se situe. Ela vai provavelmente ter erros mas talvez erre menos do que boa parte das outras previsões. E recolocaria as contribuições do estatístico no lugar que elas devem ocupar: de proeminência em questões associadas a previsões na presença de incerteza.

2 comentários:

  1. Excelente post. "Devemos usar estatística como os bêbados usam o poste. É mais para dar um suporte do que para ser iluminado." Sem dúvida é muito melhor do que achismo.

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  2. Muito bem posto a parte sobre o estatístico não ocupar seu lugar no cenário de realizar predição e deixar o outros profissionais, por vezes, menos qualificados realizarem.

    Excelente post! Até que enfim encontrei um blog =)

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