terça-feira, 9 de junho de 2020

Carta Aberta ao Ministério da Saúde


O Ministério da Saúde do Brasil mudou na última sexta feira a forma de apresentação dos dados da Covid19 em seu portal. Essa modificação foi bastante abrangente e envolveu uma série de modificaçações. Houve reações de vários setores do Brasil e pelo mundo. Transcrevo abaixo a manifestação pública do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais datada do dia 07/06/2020 a respeito dessas mudanças. Como ficou claro na entrevista coletiva de ontem (08/06/2020), as mudanças são mais abrangentes do que muitos haviam entendido mas isso será objeto de postagem posterior complementando o conteúdo da carta abaixo.

Carta Aberta ao Ministério da Saúde

A base do avanço da humanidade e da democracia está centrada na disponibilização da informação ao alcance de todos, da forma mais simples e abrangente possível. Isso é ainda mais verdadeiro nos dias de hoje. Com isso a sociedade, tendo acesso a várias fontes de informação, fica mais qualificada para formar sua opinião perante os fatos e tomar suas próprias decisões. 

Tão logo se deu a chegada da pandemia ao Brasil, o Departamento de Estatística (DEST) da UFMG, ciente de sua missão de prover informação qualificada para a sociedade, deu início a uma série de projetos voltados para a compreensão e análise desse fenômeno histórico, nos seus aspectos quantitativos. Importantes parceiros nessa tarefa foram os ministérios de saúde de todos os países do mundo que, em variados níveis de aprofundamento, disponibilizam toda a informação oficial disponível. Assim pudemos desenvolver projetos de organização e visualização de dados, análises da influência dos diferentes níveis de isolamento social para a evolução da doença e previsões de curto e longo prazo para número de casos e mortes devido à pandemia. Baseado nas previsões obtidas, tem sido possível prever cenários em termos de pico e fim da pandemia e totais de casos acometidos e de óbitos, tanto para o Brasil e seus estados, quanto para vários outros países. Com isto, o DEST cumpre sua função primordial de prestar serviços relevantes para a sociedade brasileira.

O Ministério da Saúde do Brasil é um dos nossos principais parceiros nessa tarefa e vem fornecendo informação sobre vários aspectos da pandemia. Porém, nos últimos dias, o atraso na divulgação da informação e a constante mudança na formatação dos dados disponibilizados vem causando dificuldades nos sistemas estruturados desenvolvidos pelos pesquisadores do DEST. 

Particularmente com relação à última modificação, realizada na data de 04/06/2020, foi introduzida uma formatação que causou prejuízos substanciais nos sistemas acima mencionados, interferindo de forma incisiva na sua capacidade de adaptação a essas modificações. Como exemplo, os dados de casos e óbitos novos que eram fornecidos em arquivos de fácil utilização passaram a ser fornecidos apenas como texto no sitio do Ministério, sem nem mesmo oferecer a possibilidade de captura a partir da tela. Assim, os dados só podem ser utilizados após sua digitação de forma manual, o que causa grande atraso na realização das nossas análises. Uma consequência imediata dessa modificação feita pelo Ministério da Saúde foi a imediata exclusão do Brasil da plataforma criada pela Universidade Johns Hopkins [NR: ilustrada na imagem acima]. Esse é um dos repositórios de dados da Covid19 mais respeitados e utilizados no mundo. O DEST mesmo faz frequente uso dessa plataforma nas suas análises comparativas com outros países. 

A outra mudança prejudicial, referente ao atraso sistemático na divulgação dos dados no portal do Ministério da Saúde, também tem forte impacto sobre as análises realizadas no DEST. Diferente do que ocorre em vários países, os dados brasileiros vêm tendo sua divulgação sucessivamente atrasada. Desta forma nossas análises, que vinham sendo realizadas ao longo da madrugada devido ao grande esforço computacional requerido, só podem ser concluídas, e os resultados liberados, na parte da tarde do dia seguinte. Assim, nossas previsões, que antes eram disponibilizadas no início do dia, só estão sendo conhecidas poucas horas antes da divulgação do seu valor verdadeiro. 

Medidas como essas só causam desconfianças e suspeitas nos diferentes agentes que trabalham com esses dados, prejudicando o planejamento das ações de combate à pandemia. Estas ações em nada contribuem para um resultado positivo para o país, tanto em termos sanitários quanto econômicos, implicando ainda em falta de credibilidade do país na comunidade internacional

Sendo assim, o DEST-UFMG vem exortar o Ministério da Saúde a retornar à formatação anterior, que tanto benefício vinha trazendo para todos aqueles envolvidos nas diuturnas tarefas de promover esclarecimentos tão importantes sobre a pandemia para a sociedade brasileira. Além disto, solicitamos também que a informação não seja disponibilizada em horário tão tardio, para que a informação produzida pelo DEST possa ser utilizada de forma adequada.
 

Belo Horizonte, 07 de junho de 2020 


Profa. Glaura da Conceição Franco  
Chefe do Departamento de Estatística - UFMG

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