terça-feira, 23 de junho de 2020

As estatística da Estatística no CNPq - parte IV

Minha 3a e última postagem da série As estatística da Estatística no CNPq teve uma discreta inclusão da palavra epílogo, seguida de um preocupante sinal de interrogação. Não sei ao certo porque inclui esse sinal. Afinal, metade dos pesquisadores de Estatística que não tiveram suas solicitações de bolsas de pesquisa aprovadas inicialmente e entraram com recurso acabaram tendo sua solicitação aprovada. Talvez o fato de que, mesmo havendo essa concessão por parte do CNPq, a área de Estatística tivesse continuado a ter perdas bem maiores que as outras áreas fosse o responsável pelo alerta ter permanecido ligado. Ironicamente, um artigo recente de uma das pesquisadoras que não teve seu pedido de bolsa aprovado acaba de receber um prêmio internacional pela excelência científica de um artigo recente.

As decisões tomadas naquele Edital não desagradaram apenas à Estatística. Um abaixo assinado contendo críticas ao CA-MA (comitê da Matemática que engloba a avaliação da Estatística) foi apoiado por centenas de pesquisadores (muitos deles bolsistas do CNPq) das áreas desse comitê. Uma das maiores críticas foi a pouca relevância atribuída ao histórico profissional dos solicitantes. De fato, muitos pesquisadores experientes de todas as áreas desse comitê não tiveram seus pedidos aprovados em uma primeira instância embora alguns lograram recupera-las após a fase de recursos. Mas a quantidade de bolsas das outras áreas não sofreu perdas tão significativas quanto a Estatística.

No texto que segue, procurarei elencar possíveis explicações, à luz das informações disponíveis. Para isso, adotarei a convenção de designar as outras áreas do CA-MA como Matemática. Isso facilitará a compreensão da diferença que vem havendo com respeito à Estatística neste comitê do CNPq.

A explicação é facilitada ao tomar como base um Edital do CNPq, lançado na semana passada. Esse Edital estabelece as regras para a avaliação dos pedidos de bolsa de produtividade em pesquisa. Junto ao Edital foi disponibilizado um anexo com as regras específicas de cada Comitê de área. Em particular, o CA-MA estabeleceu uma série de parâmetros. Os mais importantes são:
  1. a avaliação terá 1 nota para cada pedido e essa nota é atribuida em 2 etapas;
  2. na nota da 1a etapa, o peso da produção científica é de 60%, o peso das orientações é 30% e o peso do projeto de pesquisa é de 10%;
  3. cada artigo científico é alocado a 1 de 5 grupos que são ponderados com pesos 36, 16, 5, 2 e 1 de acordo com o periódico de publicação e os livros publicados tem pesos 16 (autor) e 4 (coletânea); 
  4.  a 2a etapa terá uma análise qualitativa que pode alterar em até 30% a nota dada na etapa 1, levando em conta aspectos mais gerais de toda a história profissional do candidato à bolsa.
Ficam claras a prevalência da produção científica e a grande ênfase dada aos níveis superiores dos periódicos, critérios que parecem prerrogativas aceitáveis do comitê. A introdução explícita da 2a etapa no Edital também parece aceitável e contempla críticas contidas no abaixo-assinado supracitado. Para avaliar a produção científica, foram listados no Edital 462 periódicos sendo 52 de Estatística e 410 de Matemática. Um levantamento feito pelo Prof. Marcos Prates, do Departamento de Estatística da UFMG, mostra os seguintes resultados

Proporção de periódicos de cada categoria de avaliação
Área
G1
G2
G3
G4
G5
Total
Estatística
7,7%
3,9%
38,5%
32,7%
17,3%
100%
Matemática
9,8%
19,5%
23,9%
34,2%
13,7%
100%

A tabela acima mostra que:
  • as chances de um periódico qualquer de Matemática estar na categoria superior G1 são superiores às chances de um periódico de Estatística estar nessa categoria. Voltaremos a esse ponto a seguir;
  • as chances de um periódico qualquer de Matemática estar na 2a categoria G2 são 5 vezes maiores que as chances de um periódico de Estatística estar nessa categoria. Esse resultado é consequência da classificação feita pelo CA-MA. Ele expressa a percepção do comitê que enquanto 30% dos periódicos de Matemática estão nos 2 primeiros e melhores níveis, menos de 12% dos periódicos de Estatística atingem esses níveis; 
  • a categoria seguinte G3, que tem peso ainda menor, apresenta uma concentração bem maior de periódicos de Estatística em relação à Matemática. Isso ajuda a entender o destino do deficit de periódicos de Estatística nas 2 categoria mais relevantes pois as últimas 2 categorias apresentam proporções similares para as 2 áreas.
Além disso, vale notar que:
  • o numero de periódicos de Matemática no nível G1 é 8 vezes maior e portanto o seleto grupo de periódicos de melhor nível oferece uma cesta de possibilidades de publicação muito maior para os matemáticos do que para os estatísticos. 
  • considero benvinda a formalização da 2a etapa dentro do Edital mas algumas reuniões recentes deste CA-MA não tiveram a participação de representantes da Estatística. Essa contextualização qualitativa fica muito difícil de ser feita por quem não é da área. Uma eventual repetição dessa ausência poderia implicar desvantagem de até 30% para estatísticos;
  • vários periódicos de Estatística (e possivelmente de Matemática também) não estão na lista que consta no Edital. Quero crer que o CA-MA promoverá a classificação desses possíveis periódicos posteriormente e provavelmente, isso seria feito dentro dos mesmos critérios que levaram à classificação disponibilizada no Edital, já similar à usada no Edital anterior, que já vimos estar relacionada a um pior desempenho de uma área em relação à outra. Mas isso não foi dito no Edital, possibilitando várias outras hipóteses e aumentando a incerteza.
Apesar dos esforços tentados pela comunidade de Estatística junto ao CNPq, tudo isso tem levado um compreensível desânimo e uma razoável dose de preocupação. Parece que esses esforços serviram apenas no curto prazo para apoiar os recursos interpostos mas foram pouco efetivos em imprimir uma mudança nas regras que permitisse à Estatística uma melhor sorte no médio e longo prazo. Vale informar que no meio desse processo, houve a troca de presidência do CNPq, o que não ajudou a interlocução dos anseios da área através da estrutura do CNPq.

A solução no curto prazo para boa parte das dificuldades da Estatística é muito simples: igualdade de condições! A tabela acima e as análises feitas a seguir deixam bem claro como fazer isso. A Estatística não quer nenhum favorecimento. Mas ela também gostaria de ser reconhecida como ela é: uma área do saber diferente de outras áreas como a Matemática. A linguagem principal da Estatística ainda é a Matemática mas sua combinação com o tratamento de sua matéria prima, os dados a serem analisados, produz um campo do conhecimento fundamentalmente diverso. Além disso, elementos específicos da área e de Computação tem desempenhado um papel cada vez mais imprescindível. Boa parte do mundo desenvolvido já reconhece essa diferenciação há algum tempo: Matemática e Estatística andam juntos quando convém a ambas e separados em outra fração do tempo.  Assim, é fundamental que no mínimo haja a presença de um estatístico para a adequada avaliação de projetos dessa área.

Do jeito que está, os movimentos recentes do CA-MA apontam um futuro preocupante para a pesquisa em Estatística no Brasil. Os jovens pesquisadores, que representam o futuro de qualquer área, em qualquer lugar do mundo sabem que precisam batalhar mais que os pesquisadores já estabelecidos para ter acesso a oportunidades similares. Isso é até esperado. O que fica difícil para os jovens estatísticos entenderem é que deverão perder oportunidades para outros pesquisadores igualmente (ou menos) qualificados simplesmente pelo fato de serem da Estatística. A parceria com a área de Matemática, que foi tão importante no passado para o crescimento da área de Estatística no Brasil, não parece estar tendo um efeito benéfico nesses últimos anos. O resultado poderá ser sombrio não só para a área mas também para o país, com evasão interna e externa de pesquisadores cujas formações tanto custaram. E o mais triste é isso acontecer em um momento onde a Estatística está se mostrando ser uma ferramenta fundamental para o bem estar da humanidade.

Um comentário:

  1. Oi Dani,
    além da etapa 1 me preocupa também a etapa dois, pois note que não tivemos representante na criação dessa tabela, o que garante que não seremos discriminados nessa etapa subjetiva? Se parece haver uma diretriz de objetividade apontada pelo cnpq para as seleções, porque incluir uma etapa subjetiva que pode reduzir a nota final em 30%. Nao seria mais objetivo pontuar itens de sua atuação? Eu tenho dúvidas que essa etapa subjetiva seria usado de maneira positiva, não foi assim até agora, porque seria diferente neste edital? Eu desconfio que a unica maneira dessa seleção 2020 não acabar com os estatisticos seria garantirmos uma cota (em termos numericos) como uma fase intermediaria antes de tentarmos a criação de um novo comitê. Que seja uma cota baseada em níveis históricos dos últimos anos. Assim evitaríamos o que aconteceu no ultimo edital e nos prepararíamos com mais calma pra dar um próximo passo.
    abs,
    Thais

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