terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Não olhe para cima

https://www.netflix.com/br/title/81252357

A postagem desta semana é sobre o filme que foi a sensação do período de festas de fim de ano, ao menos aqui no Brasil entre meus círculos de contato. O filme Não Olhe para Cima (Don't Look Up, na versão original) trata de uma série de questões bastante gerais como ética, destino da humanidade e relacionamento humano. Mas o aspecto que gostaria de focar aqui é o próprio objetivo deste blog: popularização da Ciência.

Sem estragar (o atual dar spoiler sobre) o fim do filme para quem não o viu, basta para nossa postagem falar sobre a parte inicial do filme. Ele começa com uma aluna de doutorado da Universidade de Michigan fazendo uma descoberta. Após confirmar seus cálculos com seu orientador, eles se asseguram que a descoberta é sobre a iminente colisão de um cometa com a face da Terra. E as especificidades do problema indicavam que essa colisão significaria o fim da humanidade. 

A partir dai, o filme segue o roteiro esperado de comunicar esse resultado catastrófico para o resto da sociedade (americana, no caso). Os pesquisadores conseguem acessar rapidamente um diretor da NASA, que logo entende os achados dos pesquisadores e esse grupo de 3 pesquisadores passam a procurar formas de comunicar à sociedade e às autoridades sobre a gravidade dos seus descobertas. Essa é a parte que nos interessa.

Eles são convidados a encontrar com a presidente dos Estados Unidos e seu estafe para apresentar seus resultados. Antes disso, são obrigados a tomar um chá de cadeira de mais de 24hs na ante-sala do famoso Salão Oval (escritório da presidência americana dentro da Casa Branca) porque a presidente estava envolvida com "assuntos mais importantes que o fim da humanidade". Ao entrar, eles encontram uma certa dificuldade para explicar os seus achados pois os pesquisadores resolvem embasar sua apresentação oral dos fatos a partir dos modelos matemáticos que os sustentam. A presidente e seu staff desvalorizam a argumentação basicamente por não a entenderem. E esse ponto é importante: a apresentação da teoria que sustenta a sua mensagem serviu apenas para afastar os ouvintes e diminuir a importância do achado para eles. Levou muito tempo para que eles pudessem consertar o estrago e conseguissem passar a mensagem do caos iminente. Mesmo assim, a mensagem não chegou aos interlocutores com a devida importância.

Outra passagem importante do filme se dá quando eles os pesquisadores conseguem ser incluidos em um programa de variedades que trata com igual leveza temas sérios ou banais. Essa leveza a frente de um problema tão grave tirou a paciência dos pesquisadores e levou-os, especialmente a doutoranda, a perder a compostura e se descontrolar perante as câmeras. Assim, o esforço de comunicação de resultados para a sociedade acabou sendo novamente desperdiçado pela incapacidade dos pesquisadores de vencer a barreira de comunicação com os apresentadores do programa. 

É bem verdade que a tarefa deles se deu em condições adversas. Eles não estavam em congresso científico, onde a argumentação lógica adotada na Ciência é a linguagem comum. Muito pelo contrário! No episódio do Salão Oval, a interlocução era com políticos. Em um momento da conversa, a presidente chega a perguntar 

- Ok, ouvi vocês. Quanto isso vai me custar. O que vocês vieram pedir? 

Ou seja, a compreensão do público de políticos foi toda contaminada pela barganha com a qual eles estão acostumados.  Algo similar acontece no programa de variedades quando, após ouvir sobre a tragédia que estava sendo anunciada, o âncora do programa retruca que eles agem assim porque até noticias ruins são trazidas de forma suave, por conta do tom do programa. 

É claro que tudo no filme é uma sátira e promove uma gigante amplificação da dificuldade de compreensão das pessoas sobre o que a Ciência informa. Na minha psssagem preferida, depois de todos esses dissabores o diretor da NASA se despede do pesquisador, quando ele estava embarcando no trem de volta para casa, dizendo em tom de orientação: 

- Você está só contando uma história. Mantenha-a simples. Sem Matemática. 

Ao que o pesquisador responde em total desolação:

- Mas é tudo Matemática!

Todas as citações acima foram recuperadas a partir de postagens que elencam algumas das melhores falas do filme. Recomendo que visitem essas e outras postagens pois existem outras falas interessantes mas cujas análises não cabiam aqui no espaço desta postagem. Em uma dessas falas, a presidente reclama de ser apresentada a ela uma probabilidade de 100%, ao que os pesquisadores retrucam com o valor mais preciso de 99,78% 

Esses diálogos me lembram de uma entrevista que dei para um meio de comunicação sobre a Teoria de Resposta ao Item, usada para gerar as notas do ENEM, alguns bons anos atrás. A forma como essa nota é calculada se baseia na proficiência estimada do aluno. Essa conta é altamente não-linear, que depende inclusive do padrão de resposta de cada particular aluno. Esse assunto já foi objeto de algumas postagens aqui no StatPop. Mas como explicar isso para um jornalista? 

Eu fiz o meu melhor para explicar isso ao jornalista com o mínimo de Matemática, embora tudo fosse, de fato, apenas Matemática. Ai, ele me perguntou se a nota era uma ponderação dos acertos de cada questão. Obviamente, isso levaria quem assessasse essa entrevista a achar que a nota era dada por uma média ponderada das notas dos ítens, sendo cada um deles com seu respectivo peso. Eu queria evitar essa mensagem por estar errada. Depois de tentar explicar a mesma conta feita pela TRI de umas 3 ou 4 maneiras diferentes e o jornalista insistir na ponderação, eu confesso que capitulei. Terminei por concordar com ele que se tratava de uma ponderação....

Enfim, o filme suscita vividamente o debate das formas de comunicação da Ciência com a sociedade e nos faz refletir, entre inúmeros outros assuntos, de como isso poderia ser aprimorado. Recomendo!  


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