terça-feira, 19 de julho de 2016

Só zika causa microcefalia?

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Recentemente, publiquei uma postagem sobre o tema e ingenuamente achei que seria a definitiva. O que me motivou a entender a postagem como definidora do assunto foi o fato de reportar uma comprovação científica de uma relação de causa-efeito entre o virus e a doença de mal formação congênita. Isso efetivamente foi estabelecido de forma bastante robusta. Ledo engano achar que o problema estava resolvido. 

Na realidade, não houve engano mas uma explicação incompleta para o problema. Efetivamente pode-se afirmar hoje sem muita chance de erro que zika causa microcefalia. A pergunta importante e que ainda não foi respondida é se o virus da zika foi o (principal? único?) responsável pelo aumento substancial de casos de microcefalia no Brasil e mais especificamente no Nordeste, observado nos últimos meses. Se não for, pode se ter estabelecido uma relação de causa e efeito apenas para uma das causas menos importantes. Dai a pergunta do título da postagem.

Existe uma série de outros fatores que não devem ser descartados antes de uma conclusão final para um problema tão relevante e tão complexo. Para entender melhor o assunto, é importante saber de alguns eventos relacionados ao tema que podem ter relevância crucial. O primeiro é a existência de experimentos com mosquitos geneticamente modificados. Esses experimentos tem sido conduzidos por uma empresa britânica chamada Oxitec. Os mosquitos são modificados para se tornarem estéreis. A idéia é que ele copulariam com mosquitos fêmeas gerando descendentes estéreis, o que eventualmente levaria à extinção da espécie. A própria empresa reporta sucesso nos experimentos realizados no Brasil a partir do inicio do ano passado, em Juazeiro na Bahia.

Um tema sensível como esse não escapa imune a críticas. A Oxitec é acusada por muitos de manter sigilo sobre seus experimentos, fato esse negado pela empresa, que recebe vultoso apoio financeiro da Fundação Gates. Há indicios que a taxa de letalidade não é tão alta quanto anunciado, que pode estar ligado a um intricado efeito relacionado aos medicamentos usados na população animal. Além disso, não há unanimidade na comunidade científica quanto à eficácia do uso de animais geneticamente modificados. Como se isso não bastasse, existem temores associados à redução de populações através desse tipo de mecanismos, facilitando a proliferação de mosquitos ainda mais nocivos.

Tudo isso acontece em um cenário onde houve liberação de mosquitos geneticamente modificados ao longo do período em que a epidemia de microcefalia se deu. E embora o mosquito não voe para muito longe, existem outros mecanismos que permitem o deslocamento para regiões mais distantes. Assim, várias perguntas surgiram e merecem respostas, que ainda estão ausentes:
  • poderia a epidemia de microcefalia ter sido afetada pela presença de mosquitos geneticamente modificados?
  • poderia a epidemia de microcefalia ter sido afetada pela presença de outros mosquitos mais nocivos?
  • os experimentos já realizados com mosquitos geneticamente modificados são seguros o suficiente para permitir o seu uso em larga escala?
  • foram suficientemente esgotadas todas as outras possibilidades de explicação das causas da epidemia?
Enquanto não houver respostas consistentes a essas perguntas, a comunidade científica ficará achando que o problema foi resolvido e se expor a ser surpreendida em um futuro não muito distante. Em termos de Estatística, a mensagem é que devemos sempre procurar entender o problema que estamos tentando resolver e isso envolve saber quais variáveis devem entrar em um modelo de regressão e de que forma e não se contentar apenas com aquelas informações inicialmente trazidas pelo pesquisador da área. É preciso que todos estejam seguros que tudo que poderia ser relevante foi considerado da forma mais correta possível. 

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Agradecimentos ao pesquisador Claudio Struchiner, que motivou essa postagem com uma palestra e com referências sobre o assunto.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo efetivo trabalho de divulgação da ciência e estatística.
    Há outros pontos ainda a serem observados. Poderia ser causado pelo peticida (piriproxifeno) ou servir de catalisador? Porque a diferença quando comparado com a Colômbia?
    []s
    http://necsi.edu/research/social/pandemics/statusreport
    http://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMsr1604338

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