terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Como evitar uma tragédia?

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O título assumidamente provocativo desta mensagem é motivado pelos tristes desdobramentos da catástrofe que acometeu o avião que levava o time da Chapecoense para disputa da final da Copa Sulamericana, na semana passada. Tudo indica que esse acidente aconteceu porque a aeronave da companhia aérea LaMia ficou sem combustível quando já estava em operação de pouso e acabou se chocando contra uma montanha a apenas 17 kms da cabeceira da pista. Ele acabou vitimando fatalmente 71 das 77 pessoas que estavam a bordo do Avro, de fabricação inglesa. Seguiram-se a esse evento muito dor para centenas de famílias e homenagens ao redor do mundo, onde destaco a belíssima e tocante cerimônia realizada em Medellin, ilustrada na foto acima.

Antes de discutir o que poderia ter sido feito e como a Estatística entra nisso, é importante entender o que parece ter acontecido. O avião decolou de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia com destino a Medellin, na Colômbia. Trata-se de um trajeto que tem em linha reta cerca de 3.000kms, que é muito próximo da capacidade de vôo da aeronave. Assim, o plano de vôo originalmente incluía uma parada para reabastecimento de combustível na cidade boliviana de Cobija. Entretanto, o atraso na chegada da delegação à Bolívia fez com que a chegada na escala seria já sem luz natural. Combinada com a ausência de iluminação na pista, isso implicava na impossibilidade de realizar essa parada. Esse fato já tornou a viagem extremamente arriscada, sem possibilidade de contratempos. 

Infelizmente, quando estava para aterrisar, já com pouquíssimo combustível no tanque, o piloto foi informado que havia um outro avião com prioridade para pouso por ter declarado emergência (suspeita de vazamento de combustível). Ele então realizou as manobras protelatórias de praxe enquanto esperava autorização para o pouso. Esses poucos minutos (não mais que 15) foram cruciais pois, ao que tudo parece indicar, a gasolina acabou e o resultado disso o mundo todo sabe.

A área de confiabilidade já foi tratada aqui e cuida entre outros assuntos de compreender como tornar sistemas, como um vôo de avião, mais seguro e quantificar esse nível de segurança. Uma das formas mais conhecidas de aumentar a confiabilidade é através de redundâncias. O próprio avião acidentado é um bom exemplo de redundância. Ele possuía 4 turbinas, muito mais que o necessário para o vôo. Isso foi feito para que o avião pudesse se manter em vôo, pelo menos até o aeroporto mais próximo, mesmo que 1 ou 2 das turbinas deixassem de funcionar.

Para exemplificar, suponha que uma turbina tem 0,1% de chance de falhar durante um determinado vôo. Se o avião tiver apenas essa turbina, ele terá 0,1% de chance de cair. Isso significa que espera-se que haje uma queda a cada 1000 vôos que esse avião fizer. Isso é uma probabilidade inaceitavelmente alta. Uma solução pode ser dada através de redundâncias. Se esse avião tivesse 2 dessas turbinas funcionando e precisasse apenas de 1 delas para se manter voando, esperaria-se que o avião caisse 1 vez a cada 1 milhão de vôos [O comando em R para essa conta é 1/pbinom(0,2,.999).]; uma probabilidade diminuída  mil vezes e possivelmente acima da vida útil do avião, garantindo a operação desse avião sem acidentes. Suponha também que o avião possui 4 dessas turbinas e precisa de apenas 2 delas funcionando para poder voar com segurança. A chance do avião sofrer uma queda por falha das turbinas desce para 1 a cada 250 milhões de vôos. [O comando em R para essa conta é 1/pbinom(1,4,.999).]

Esse tipo de redundância é conhecido como sistema em paralelo pois as turbinas podem funcionar concomitantemente e o sistema apenas apresentará falha apenas se algumas delas deixarem de funcionar. Em oposição aos sistemas em paralelo existem os sistemas em série onde a falha de um único componente implica na falha de todo o sistema. Nenhum sistema em série é projetado assim se puder ser projetado em paralelo. Entretanto, nem sempre é possível projetar um sistema em paralelo, seja por questões de custo como por questões estruturais. Quase todo sistema com alguma complexidade tem aspectos de série pois são compostos de sub-componentes que precisam todas funcionar para que o sistema como um todo funcione. Nesses casos, as redundâncias são implementadas nas sub-componentes que impactam mais crucialmente no funcionamento do sistema como um todo.

Existem várias regras em vigor na aviação que minimizam drasticamente as chances de acidente e tornam o sistema de aviação um meio seguro de transporte. Voltando ao avião da Chapecoense, várias dessas regras foram descumpridas. Algumas delas já são bem conhecidas:
  1. as autoridades do aeroporto de partida de qualquer aeronave devem tomar conhecimento do seu plano de vôo e só autoriza-lo caso o plano esteja de acordo com as normas vigentes. O vôo da LaMia não estava pelo problema de combustível; as normas internacionais prevêem que um vôo tem que ter combustível suficiente não apenas até o destino mas também para incluir a rota adicional até um destino alternativo, além de um excesso de 50% por segurança. O piloto foi alertado a respeito pelas autoridades aeroportuárias mas ignorou o aviso. [Afinal, ele estava cheio de confiança por ter realizado vôos similares em 2016 sem ter tido problemas.] Inexplicavelmente sua partida foi autorizada. [Em função disso a Bolívia abriu um inquérito para apurar o ocorrido e a funcionária que autorizou o vôo entrou no Brasil com pedido de asilo];
  2. Quando chegou perto de Medellin e viu que o combustível estava no limite do necessário, o piloto deveria ter desviado para reabastecimento em Bogotá e se assegurado de ter ao menos o nível de combustível descrito no ítem anterior. Ele possivelmente não fez isso para não se atrasar a chegada ainda mais e não ter de pagar uma multa de cerca de R$10 mil reais;
  3. Quando se aproximou de Medellin para pouso, ao invés de declarar a situação desesperadora em que já se encontrava, o piloto da LaMia optou por reportar uma emergência padrão. Se tivesse descrito sua real situação, teria recebido prioridade máxima para pouso e teria evitado essa tragédia. Provavelmente ele não fez isso porque pagaria uma multa pesada por não ter combustível suficiente.
Como se pode ver, existem várias redundâncias em situações como essa. Elas são implementadas rotineiramente para dar mais segurança à aviação. Se o piloto da LaMia, que também era dono da empresa, tivesse implementado apenas uma delas, já teria sido suficiente. Não custa dizer que a vida é nosso bem mais precioso e não se deve jogar com a sorte quando se trata dela. O resultado foi um desastre perfeitamente evitável.

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