terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A tragédia de Brumadinho

https://www.guiaviagensbrasil.com/galerias/mg/fotos-de-instituto-inhotim-brumadinho/

Mais uma vez somos impactados com a tragédia ambiental e, principalmente, humana com o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale na mina em Corrégo do Feijão, no município mineiro de Brumadinho. A cidade era até semana passada conhecida por sediar Inhotim, um dos mais belos museus a céu aberto, como ilustra a imagem acima, que tive o prazer de conhecer em minhas viagens pelo mundo. Desde então, a passou a ser mais conhecida por motivos bem menos ilustres que o museu, que felizmente foi poupado da devastação.

Passada mais de uma semana do acidente, já temos mais de uma centena de mortes confirmadas e ainda duas centenas de pessoas desaparecidas. Esse desastre já suplanta em muito o desastre ocorrido na também mineira Mariana com a mineradora Samarco, controlada pela Vale, quando 19 pessoas perderam a vida e o vazamento dos rejeitos causou perdas incalculáveis ao meio ambiente.

Esse foi o maior tema da última semana no país mas ele não está sendo trazido ao StatPop por isso. Ele está sendo veiculado aqui por conta da repetida menção à avaliação de riscos em muitas das menções a essa catástrofe. Efetivamente, houve uma falha (gravíssima, nesse caso) em um projeto de Engenharia e falhas em Engenharia estão inexoravelmente ligadas a avaliação de riscos. Existem inúmeros aspectos técnicos associados a falhas. Ela pode ter sido de projeto, de execução, de manutenção ou até de uma combinação de algumas das causas acima. Não tenho capacidade técnica para tratar desse ponto. [Espero em breve poder trazer postagens mais esclarecedoras sobre esse aspecto.]

Li alguns textos escritos por engenheiros com experiência em minas. Esses textos explicam em detalhe como é feita a construção de barragens de rejeitos. Eles também falam sobre a necessidade de aumento dessas barragens à medida que mais rejeitos são nelas depositados. O que senti falta nesses textos foi uma discussão sobre custos e sobre as chances de falha.

E é justamente esse ponto que gostaria de discutir aqui: como se operacionaliza uma avaliação de riscos. Ela envolve uma infindável de sequência de eventos mas termina com uma recomendação, com vistas a uma tomada de decisão. A recomendação deve ser sempre alicerçada por uma quantificação da probabilidade de possíveis eventos. Esse ponto já foi tratado aqui.

O ponto que merece atenção aqui é que todo processo de tomada de decisão não envolve apenas o cálculo das probabilidades envolvidas. A outra componente imprescindível da avaliação de risco é, como já dissemos antes, o custo associado a (ou a utilidade de) cada possível ação. Assim, eventos com probabilidades baixas podem influenciar mais ou menos a nossa decisão de acordo com as consequências a ela associadas.

Tomemos como exemplo a situação em tela: construção de barragem de rejeitos. Simplificadamente, os elementos que se precisa são as probabilidades de rompimento da barragem e as utilidades ou custos de cada ação de prevenção adotada. O cálculo dos custos está muito longe de ser trivial. Como quantificar a perda de uma vida? Apenas pelo custo das indenizações associadas? Como quantificar um desastre ambiental? Apenas pelas perdas financeiras das populações das vizinhas à área atingida?

De todo mundo esse custo, uma vez quantificado, deve ser contrastado contra os custos de construção e manutenção da barragem e ponderados pelas respectivas probabilidades dos eventos associados. Com isso, pode-se calcular a perda esperada de cada ação. As possíveis ações aqui são as diferentes políticas de construção e de manutenção das barragens.

Suponhamos que existam apenas 2 ações possíveis no caso de uma barragem de rejeitos: construção/manutenção de forma econômica (E) ou de forma abrangente (A). Suponhamos que o custo de A seja 10 vezes maior que o custo de E. Suponha também que as probabilidades de rompimento da barragem sejam de 0,1% para E e 0,001% para A. Vamos supor também que o custo de um rompimento seja 10.000 vezes maior que o custo de E. [Esses custos não são necessariamente quantificados em reais ou dólares mas em unidades monetárias mais amplas, que podem envolver (in)satisfação ou (des)prazer dos atingidos pelas ações tomadas.]

As perdas esperadas então são:

  • A: 10.000 x 0,00001 + 10 x 0,99999 = 10,0099
  • E: 10.000 x 0,0001  + 1 x 0,9999 = 1,9999
Por essas contas, espera-se uma perda cinco vezes maior (10,0099/1,9999 ~ 5) para o tratamento econômico da barragem. Portanto, a decisão correta nesse caso seria investir mais na prevenção de desastres. Não estou aqui nem de longe sugerindo que os números acima constituem uma quantificação correta da situação recentemente ocorrida. Tampouco estou dizendo que qualquer acontecimento, por mais trágico que seja, possa ser reduzido a números. Só estou tentando mostrar como a teoria de decisão poderia ser utilizada para auxiliar a correta tomada de decisão em qualquer problema, por mais doloroso ou complexo que ele seja.  

Por fim, resta destacar que o mesmo problema pode ter diferentes soluções dependendo de quem é o tomador de decisões. No caso de mineração, ele pode ser a empresa mineradora, pode ser a população atingida, pode ser o poder público. Para cada um desses decisores, os custos podem ser alterados ao contemplar outros elementos como ganhos/perdas associados com os empregos gerados para a população e os impostos pagos aos cofres públicos pela atividade mineradora. Tudo isso só ilustra a complexidade do problema e a cadeia de avaliações que precisa ser utilizada para a correta quantificação de atividades econômicas em todas as suas vantagens e desvantagens.  


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