terça-feira, 19 de setembro de 2017

Mudanças climáticas e análises de extremos

Fonte: Nascimento, Gamerman e Lopes (2016)

A postagem da semana passada procurou enfatizar a importância de mudanças climáticas no contexto de análises de extremos. Como já vimos aqui, análise de extremos é uma área da Estatística muito utilizada em diversas áreas como Engenharia, Meteorologia e Finanças. Ela serve para fornecer parâmetros que nos indiquem quão esperado é um evento de um fenômeno que estamos interessados. No caso de Engenharia temos o estudo da vazão de rios para construção de barragens. No caso de Finanças, temos o estudo dos retornos de ativos financeiros para construção de um portfólio ou carteira de investimentos. E em Meteorologia, vimos a sua importância no contexto de análise de tempestades em postagens sobre o furacão Harvey.

A questão é que essa teoria está construída para situações estáticas e ela precisa de adaptações para situações envolvendo mudanças. Essas mudanças podem ser devidas a diversos aspectos. Mas vamos nos concentrar aqui nesta postagem em mudanças associadas à passagem do tempo. Esse é o cenário mais importante para analisar mudanças climáticas.

Vale a pena ressaltar nesse contexto a importância de uma teoria guiando os nossos passos. Sem teoria, estaríamos condenados a usar apenas os dados para tirar nossas conclusões. Se o contexto é estático, até podemos tentar usar apenas a massa de dados já coletada para fazer nossas inferências. Isso até pode funcionar bem dentro dos valores que já foram observados. Mas mesmo aqui essa abordagem empírica traria dificuldades para falar da probabilidade de situações ainda não observadas.

Algo similar acontece no contexto de mudanças ao longo do tempo. Por maior que seja nossa base de dados, ela se torna pouco relevante se desconfiamos que estão havendo mudanças ao longo do tempo. Afinal, que garantia temos que os dados que tínhamos ontem serão um bom subsídio para falar do que está acontecendo hoje ou irá acontecer amanhã?

É nesse ponto que a construção de um arcabouço teórico pode nos ajudar. Dentro de uma estrutura apropriado é possível estabelecer uma ligação entre ontem, hoje e amanhã. E é essa estrutura que irá nos ensinar como usar adequadamente os dados de ontem para falar sobre hoje, mesmo sabendo que as condições mudaram. Novamente aqui, a teoria de valores extremos é uma base fundamental para construir essa ponte sobre o tempo. Obviamente, essa estrutura pode e deve ser testada para avaliação de sua viabilidade nesse contexto de mudança.

Uma ilustração de uma abordagem que faz isso está na figura acima. Ela foi obtida a partir de um estudo sobre retorno de ações da Petrobras no mercado financeiro brasileiro, de 2002 a 2011. Os seus valores absolutos estão representados pelas barras em linha cheia. Pode ser visto que existe um padrão que está mudando ao longo do tempo; períodos de maior turbulência, como a crise dos mercados em 2008, mostra retornos muito maiores que em outros períodos. Lembre que o gráfico apresenta os valores absolutos dos retornos; portanto tanto grandes flutuações para cima (valorização do ativo) como para baixo (desvalorização do ativo) aparecem como barras mais altas.

A análise resultante indica isso claramente através dos quantis elevados, representados pelas linhas tracejadas. A mudança ao longo do tempo nos quantis elevados é bastante nítida na figura e acompanha as mudanças observadas nos dados. Algo similar poderia ser feito sem uma estrutura, baseado apenas nos dados? Sim mas não forneceria nenhuma garantia de que iria funcionar nem de quão confiável é o procedimento. Com uma teoria por trás, podemos obter as estimativas desses quantis elevados assim como medidas de quão confiáveis eles são.

Essas idéias devem ser usadas no contexto de fenômenos como as tempestades que assolam a região do Caribe nos períodos mais quentes do ano. Existe evidência suficiente para considerar a possibilidade de que os padrões climáticos, pelo menos no que diz respeito a esse fenômeno, estejam mudando. Portanto, as afirmações sobre chuvas de 500 ou 1000 anos baseadas em um cenário estático, que foram feitas nas análises sobre a passagem do furacão Harvey, possivelmente não são apropriadas. Esse reconhecimento e sua solução ajudaria a resolver a perplexidade externada nas postagens anteriores.

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