terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Existe limite para a vida humana?

https://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/eles-passaram-dos-75-anos-mas-tem-memoria-de-jovens-sao-os-superidosos/

O título desta postagem é uma das perguntas mais transcendentais para a humanidade e remete a inúmeras questões existenciais, filosóficas e até religiosas. Mas ele também tem sido o alvo de estudos demográficos e estatísticos com os dados disponíveis. Esses estudos utilizam a ferramenta estatística que parece ser a mais adequada para estudo de limites de distribuições, a Teoria de Valores Extremos (TVE). Essa é uma área bastante ativa da Estatística e já foi detalhada aqui.

Existem vários estudos na TVE que procuram determinar se existe um limite finito ou infinito para o excessos, ou pontos que ficam na cauda de uma distribuição. Essas idéias tem sido aplicada a todas as áreas onde existe particular interesse na cauda ou valores mais extremos da distribuição. Exemplos incluem quantidade de chuva ou vazão de um rio ou mesmo retorno de ativos financeiros e o interesse são nas potenciais catástrofes ambientais ou financeiras que os extremos podem causar. Interessantemente, a teoria mostra que o comportamento limite da cauda tem a mesma estabilidade, tanto quando se admite limite finito quanto quando se admite limite infinito.

Dentro da parte científica da Estatística, inovações são divulgadas em diferentes periódicos mas um deles foi recentemente estabelecido e se dedica apenas a contribuições de TVE. O nome do periódico não podia ser nada diferente do que ele tem: Extremes. No final de 2017, esse periódico publicou um artigo com o título (traduzido para o português) "Vida humana é ilimitada mas curta". O artigo foi escrito por 2 pesquisadores baseados na Suécia: Holger Rootzén e Dmitrii Zholud.

O resumo do artigo diz

A vida humana tem um limite superior biológico impenetrável que, em última análise, irá parar o aumento dos tempos de vida? Esta questão é importante para entender o envelhecimento e para a sociedade, e levou a intensas controvérsias. Dados demográficos para humanos têm sido interpretados como mostrando a existência de um limite, ou mesmo como uma indicação de um limite decrescente, mas também como evidência de que um limite não existe. Este artigo estuda o que pode ser inferido a partir de dados sobre a mortalidade humana em idades extremas. Descobrimos que nos países ocidentais e no Japão e depois dos 110 anos o risco de morrer é constante e é de cerca de 47% ao ano. Portanto, os dados não suportam a existência de um limite superior à vida humana. Ainda assim, dado o estágio atual da biotecnologia, é improvável que durante os próximos 25 anos alguém viva mais de 128 anos nestes países. Dados, notavelmente, não mostram diferença na mortalidade após os 110 anos de idade entre sexos, entre idades, ou entre diferentes estilos de vida ou origens genéticas. Estes resultados, e os métodos de análise desenvolvidos neste trabalho, podem ajudar a testar teorias do envelhecimento e confirmação da ajuda do sucesso dos esforços para encontrar uma cura para o envelhecimento.

A inexistência de limite aludida no título do artigo está ligada à constância das taxas de morte anuais após 110 anos de idade encontradas pelos autores no valor de 47%. Isso significa que uma pessoa que chega aos 110 anos, teria chances de 47% de chegar aos 111 anos de vida, 22% (= 47% x 47% )  de chegar aos 112 anos de vida, 10%  (= 47% x 47% x 47%)  de chegar aos 113 anos de vida e assim sucessivamente. Assim, para qualquer idade que se imaginasse acima de 110 anos, existiria uma chance positiva mas crescentemente reduzida de se chegar a essa idade.

Para se ter uma idéia da ordem de grandeza, as chances de um idoso com 110 anos chegar aos 120 anos de vida cairia para 0,05% (= 47%^10). E não custa relembrar que essa conta só serve para quem conseguiu chegar aos 110 anos. Ou seja, é possível mas extremamente improvável. No caso de um limite finito de N anos para a vida, a taxa de morte anual após N-1 anos de vida seria 1.

O artigo realizou alguns testes que não permitiram demonstrar a existência de diferença entre longevidade de homens e mulheres, entre dados do início da coleta dos dados para os dados do final da coleta, entre países e entre hábitos alimentares. Entretanto, os próprios autores atestam informalmente a final de sua réplica que a maioria dos idosos com idade mais avançada são mulheres com hábitos mais saudáveis (alimentação e de não fumantes), aparentando uma certa contradição.

Quer pelo tema, quer pelas técnicas utilizadas, o artigo suscitou um intenso debate que também está registrado na Extremes. Questionamentos de toda ordem foram registrados. Muitos deles foram associados aos dados utilizados, outros ligados a fatores associados à longevidade e alguns falaram sobre a influência das constantes modificações que vem sido introduzidas no nosso padrão de vida pelos avanços da Medicina. Também foi dado aos autores a oportunidade de réplica aos comentários recebidos. Todo esse material (artigo, discussões e réplica) foi publicado pela Extremes em dezembro de 2017, no volume 20, pág 713-728 e pode ser acessado a partir deste link.

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