terça-feira, 30 de abril de 2019

Barry Rees James


Fui informado na semana passada do falecimento do professor Barry Rees James. O nome de Barry já apareceu aqui no StatPop, quando descrevi o inicio de minha trajetória profissional. Embora tenha descrito ele sucintamente naquela postagem, acho justo e apropriado dedicar uma postagem inteira a ele, temperada por pitadas da minha relação com ele. É o mínimo que posso fazer por uma pessoa tão especial e tão importante na minha vida.

Gostaria de iniciar esta postagem com o texto com minha reação no momento que soube do falecimento de Barry. Eu escrevi na lista de estatísticos da ABE:

"Que notícia devastadora!

Barry for minha inspiração e O responsável pela carreira que escolhi, graças ao incentivo e acolhida que recebi dele em meu 1o curso de PG, quando eu ainda era um aluno de graduação sem saber que rumo tomar.

Tenho uma dívida de gratidão infinita com Barry e devo muito do que sou hoje profissionalmente a ele.

Uma alma maravilhosa..."

Apesar de ter escrito o texto tomado de forte emoção, o texto reflete adequadamente o que sinto pelo Barry. E os outros depoimentos feitos na mesma lista me pareceram apontar na mesma direção.

Então acho importante contextualizar quem foi Barry e porque ele despertou sentimentos tão positivos de tanta gente. Barry foi um estatístico americano que se graduou em Matemática em 1964 e obteve o doutorado em Estatística na Universidade da California, em Berkeley, em 1971. Apesar da graduação em uma instituição de menor porte, seu doutorado foi obtido em um dos mais importantes centros da Estatística e que, naquela época, era um centro de referência mundial, difusor de diretrizes sobre toda a Estatística. Isso se deveu a uma série de fatores mas em grande parte à relevância dos pesquisadores de Estatística lá presentes nos anos 70. A título de exemplo, pelo menos 2 dos membros mais ilustres do departamento já foram mencionados em postagens aqui: Neyman e Blackwell

Assim, a formação acadêmica que Barry recebeu foi tão boa quanto era possível se ter na época. Ele estava perfeitamente equipado para avançar e difundir a metodologia lá sendo desenvolvida. Só que Barry não escolheu o caminho canônico que sua formação permitiria, de ir para um bom departamento de Estatística no país. Ele optou por uma aposta nada convencional: ajudar na criação de um grupo de Estatística no IMPA, aqui no Brasil. O IMPA já gozava naquela época de prestígio na área de Matemática mas muito pouco havia sido feito na área de Estatística. Barry abraçou a missão que assumiu e ao lado de sua esposa Kang Ling, que também se doutorava em Estatística em Berkeley, e de um grupo de recém-doutores nacionais ajudou a criar o mestrado em Estatística no IMPA. 

Por aqui, Barry e Kang ficaram e desenvolveram suas carreiras por cerca de 15 anos até que resolveram voltar para os Estados Unidos. Nesse meio tempo, esse grupo formou vários mestres que depois obtiveram o doutorado (muitos, no exterior) em Estatística e estão hoje ocupando posições de destaque na vida acadêmica nacional. Embora se tratasse de um grupo relativamente homogêneo, sem lideranças explícitas, a postura de Barry perante todas as questões acadêmicas faziam dele uma referência para nós alunos. Ele sempre sabia ponderar os pontos importantes de um problema e sumarizá-los adequadamente. Além disso, ele se destacava, e muito, dentro da sala de aula.

Suas aulas eram sempre precedidas de anotações precisas, considerando todos os detalhes de caracterização do assunto tratado. Assim, os cadernos de anotações os alunos eram sempre muito claros. Suas aulas eram um reflexo desse capricho e cuidado. Sou testemunha viva disso; minha primeira disciplina de pós-graduação foi Inferência Estatística, ministrada pelo Barry. Mesmo exigindo como pre-requisito a disciplina de Probabilidade, que eu ainda não havia cursado, Barry soube compensar todas as minhas lacunas e me permitiu prosseguir o curso de Inferência com bastante êxito. Além disso, seu livro sobre Probabilidade é uma referência em muitos cursos de pós-graduação em Estatística no Brasil e também o seria a nível mundial se tivesse sido traduzido para publicação em inglês 

Uma das dificuldades que podemos identificar nesse grupo da Estatística foi um investimento muito grande nas aulas em detrimento da atividade de pesquisa. Assim, boa parte do conhecimento que vinha sendo gerado pelos estudos, pela esmerada preparação das aulas e pelas inúmeras dissertações de boa qualidade lá geradas não prosseguiu em direção à geração e publicação de artigos científicos. Mesmo assim, Barry encontrou tempo e disposição para, junto com sua esposa e colaboradora profissional e com um ex-aluno de mestrado, escrever um artigo no JASA, um dos periódicos de elite da Estatística. Esse artigo pode ser visualizado aqui.

Como se isso não bastasse, Barry era uma pessoa muito boa e generosa. Ele sempre me atendia com cordialidade para tirar dúvidas ou para conversas mais gerais sobre a Estatística. Isso me deu segurança e tranquilidade para prosseguir no caminho da Estatística. Imagino que o mesmo possa ter ocorrido com outros alunos da época.

Um ótimo exemplo da disponibilidade de Barry pode ser dado por episódios ocorridos durante a elaboração de minha dissertação de mestrado. Eu estava interessado no tema robustez e escolhi um professor especialista dessa área para me orientar. Apresentei a ele sucintamente minha proposta de tese e ele aceitou me orientar. Comecei a escrever a dissertação e ia aos poucos apresentando a ele os capítulos que ia escrevendo (literalmente a mão pois não existiam editores de textos em computadores naquela época). O orientador não estava muito confortável com o tom informal que eu vinha usando e foi progressivamente se incomodando com o meu texto. [Vale esclarecer que o tom mais informal que eu vinha usando combinava com a visão subjetivista usada na abordagem Bayesiana, como veiculada em muitos textos da época, mas não com a formação matemática do meu orientador.]

Olhando agora em retrospecto, meu orientador estava coberto de razão. Mas eu não aceitei bem isso e pedi ao Barry para que ele analisasse o texto que eu ia escrevendo, em uma avaliação paralela. Hoje reconheço que o coloquei em uma situação constrangedora e que pedi para ele fazer algo que não era de sua alçada. Mesmo assim, ele aceitou meu pedido, encontrou tempo para ler minhas anotações em mais de uma ocasião e colaborou com comentários na medida do que estava ao seu alcance. Não sei se Barry também interveio junto ao meu orientador mas o fato é que eu acabei me acertando com ele nos capítulos posteriores e terminou tudo bem.

Esse era o Barry, que deixará saudade em todos que tiveram o prazer de tê-lo conhecido...

Um sucinto obituário do Barry em um jornal local de Duluth, onde ele morou seus últimos anos, pode ser visto aqui.

2 comentários:

  1. Sinto muito pela sua (nossa) perda, professor. Barry James foi muito importante para a sua historia e de toda a estatistica brasileira, formando a atual geracao. Na sexta-feira passada o professor Fabio Demarqui tambem homenageou o professor James ao final de seu seminario no Departamento de Estatistica da UFMG.

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  2. O americano Barry foi um perfeito boa-praça carioca. No velho IMPA da Praça Tiradentes, era facilmente o sujeito mais risonho e simpático do casarão. No corredor, não deixava de conversar com quase todo mundo. Seu Português foi aprendido rapidamente e se tornou muito
    bom. Tinha interesse sincero pelos alunos E funcionários. Perguntava-me o que eram os "treinos" - as cervejas quase diarias dos funcionários com alguns alunos nos botecos das cercanias. Ele
    achava , vicariously, muito legal.

    Sobre suas aulas, orientações, e seu livro,
    o pessoal já falou um bocado. O livro moldou e conferiu qualidade a umas três gerações de matemáticos brasileiros e estatísticos. Vai continuar. Poucos sabem que o livro salvou o doutorado de um colega meu iraquiano...
    Ele foi o coração da Estatística no IMPA.
    Faz muita falta, o boa-praça

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